Assistindo uma série de TV sobre advogados recentemente, me surpreendi com a encenação de um caso envolvendo a disputa pela guarda de um chimpanzé.
Assistindo uma série de TV sobre advogados recentemente, me surpreendi com a encenação de um caso envolvendo a disputa pela guarda de um chimpanzé. Veracidades da história a parte, um dos advogados envolvidos na defesa do animal faz um desabafo que resume tudo: sei que ele não é uma propriedade, mas não tenho Lei para provar isso!
É necessária muita insensibilidade para não concordar com o fato de que animais não humanos não são coisas ou objetos. São seres vivos com habilidades cognitivas, que sentem dor, medo, fome, sede etc. Portanto, tratar um chimpanzé, um elefante ou um cachorro como se trata um objeto qualquer é, no mínimo, sem sentido. Mas no Direito dos Homens hoje, todos os outros animais ainda são considerados coisas, e não seres de direitos. Daí vem a inquietação do mundo jurídico que o roteirista da série de TV sensivelmente captou e resumiu na fala do personagem.
Felizmente existem advogados muito atentos e lutando para reverter essa visão ultrapassada da nossa relação dominadora e exploratória com os animais não humanos. E, de fato, mudar a Lei e começar a fazer as pazes com nossos dilemas éticos e morais, além de construir a base necessária para os diversos trabalhos mundo afora de Direitos dos Animais decolarem.
Em abril de 2017, um caso na América Latina foi destaque internacional: a chimpanzé Cecília, que viveu por mais de 10 anos numa jaula de cimento minúscula em um zoológico na Argentina, foi finalmente transferida para um santuário de grandes primatas no Brasil graças a concessão de um Habeas Corpus. Foi a primeira vez no mundo que um animal não humano usufruiu de fato do direito à liberdade graças a um instrumento jurídico até então exclusivo de humanos.
O processo foi conduzido pela Afada, uma associação de advogados que trabalha com direitos dos animais na Argentina, e é apenas uma entre outras ações. A orangotango Sandra, que vive no zoológico de Buenos Aires, foi considerada por uma juíza local, após análise de pedido de liberdade, como pessoa não humana em dezembro de 2014 (sua transferência para um santuário ainda não foi viabilizada, embora já esteja autorizada) e no último dia 28 de novembro foi apresentado um pedido coletivo de Habeas Corpus em nome dos chimpanzés Martín, Sasha e Kangoo, que também estão no zoológico portenho.
“Depois de várias tentativas de consenso com autoridades para a transferência dos chimpanzés, que se encontram em estado precário, decidimos recorrer mais uma vez à Justiça. Há antecedentes e jurisprudência nacional e internacional”, explicou Pablo Buompadre, presidente da Afada, à imprensa argentina.
Ursos e elefantes
Defender pedidos de Habeas Corpus para grandes primatas pode ter suas vantagens de argumentação, devido à proximidade dos mesmos com os humanos – afinal, também somos grandes primatas – e suas já provadas autonomia e inteligência. Mas os antecedentes e jurisprudência comentados por Buompadre podem, devem e são facilmente aplicados a outras espécies.
Em julho de 2017, também na América Latina, na Colômbia, a Suprema Corte do país aceitou o pedido de Habeas Corpus em nome do urso Chucho, e determinou que ele seja transferido do zoológico de Barranquilla para um local onde viva em condições adequadas. Na decisão, a Corte colombiana citou :”os animais são seres sencientes e não coisas, e por isso devem ser dotados de direitos aos olhos da lei.”
Nos Estados Unidos, a ONG NhRP – em inglês, Non Human Rights Project, fundada e presidida pelo advogado Steven Wise, é uma entidade de referência, e iniciou o trabalho de “descoisificação” dos animais perante a Lei com chimpanzés – neste caso, primatas que eram usados em laboratórios. O equipe de Wise ainda não obteve sucesso na Justiça norte-americana, que sempre acaba negando o reconhecimento pelo direito à liberdade, mas o trabalho esta longe de terminar.
Em novembro, o grupo impetrou um pedido de recurso na Suprema Corte do Estado de Nova Iorque para o processo ser analisado na instância mais alta da Justiça. Trata-se da ação de Habeas Corpus em nome dos chimpanzés Tommy e Kiko, que foram usados como cobaias em laboratórios. “Queremos que Tommy e Kiko tenham seu dia na Justiça de Nova Iorque. Permanecemos confiantes que eles terão o seu direito à liberdade reconhecido”, disse Wise quando o NhRP divulgou a nova apelação.
Mais um passo a frente, a entidade deu entrada, também em novembro, em um pedido de Habeas Corpus na Corte Superior do estado de Connecticut em nome de três elefantes – o primeiro do mundo – mantidos em cativeiro no zoológico de Commerford: Beulah, Karen e Minnie. As três foram foram capturadas na natureza e usadas por muitos anos em circos.
O NhRP pede ao tribunal que libere os elefantes para o santuário da Sociedade de Bem Estar dos Animais de Performance (Performing Animal Welfare Society, em inglês), onde seu direito à liberdade corporal será respeitado. Wise explica: “Não afirmamos que o zoológico está violando estatutos de bem estar animal. O que eles estão fazendo é privar Beulah, Karen e Minnie de sua liberdade, que vemos como uma violação intrinsecamente cruel do seu direito mais fundamental como elefantes.”
Ao que tudo indica, felizmente é uma questão de tempo para os advogados terem a mão a Lei que precisam para provar que animais não humanos são seres de direito, e não meras propriedades ou objetos.
Jaqueline B. Ramos / Anda