O velho mundo que agora atrai migrantes e refugiados da África, do Oriente Médio e da Ásia foi durante um período que se estendeu da metade do século 18 até os anos 1960 o ponto de partida, e não o fim da jornada para milhões de pessoas.
Números consolidados por diferentes historiadores estimam que entre 50 e 60 milhões de europeus deixaram seus países em direção a lugares tão distantes como Brasil, Estados Unidos, Sibéria e Austrália somente entre 1815 e 1930. Uma parte deles chegou a voltar para a Europa, mas a maioria se estabeleceu de vez no novo mundo, passando a ter uma influência decisiva na construção desses países.
O Censo americano de 2009 estima que cerca de 50 milhões de habitantes dos EUA têm ascendência alemã, quase um 16% da população total. São os descendentes de cerca de 4,5 milhões de alemães étnicos que se mudaram para o país. No Brasil, cerca de 370 mil alemães chegaram entre 1824 e 1960, e estimativas apontam que eles deixaram cerca de 5 milhões de descendentes.
“O ‘homo migrantes’ existe há tanto tempo quanto o homo sapiens. A migração é uma parte da condição humana tanto quanto o nascimento, a reprodução, a doença e a morte”, afirma o historiador Klaus J. Bade, da Universidade de Osnabrück, autor do livro Migration in European History (migração na história europeia, em tradução livre).
Alguns dos motivos dessa “onda europeia” não foram muito diferentes das causas que estão provocando a atual corrente migratória em direção à Europa. Na maioria dos casos, ela refletia a situação e as transformações econômicas e sociais de cada um dos países de origem dos emigrantes.
A chegada em massa dos irlandeses nos EUA ocorreu após a grande fome de 1845-1852. Cerca de 300 mil espanhóis se mudaram para a América Latina entre 1958 e 1975 para deixar a pobreza e o regime repressivo do ditador Francisco Franco. Em outros casos, as mudanças sociais provocadas pela industrialização impeliam as pessoas a deixar seus países.
“As dificuldades econômicas, as transformações sociais, a opressão política, a hostilidade étnica, a perseguição racial e religiosa, e o trauma provocados por guerras no Oriente Médio, na Ásia e na África evocam de várias maneiras o que aconteceu na Europa num passado num muito distante”, afirma o professor Jean-Pierre Lehmann, do Instituto Internacional de Desenvolvimento Gerencial (IMD), na Suíça.
Mesmo países europeus que não costumam ser lembrados como geradores de emigrantes e que hoje são considerados prósperos foram profundamente afetados pela perda de população. “Um em cada 300 noruegueses deixou seu país entre 1861 e 1910”, afirma Bader. Já o Reino Unido, que hoje hesita em aceitar refugiados, foi o responsável por espalhar 11 milhões de emigrantes pelo mundo entre 1815 e 1930.
Já o pico da imigração alemã em direção ao Brasil, entre 1920 e 1929 – quando chegaram 75 mil alemães –, ocorreu após a derrota do país europeu na Primeira Guerra Mundial.
“Mais de 90% dos imigrantes alemães que vieram ao Brasil queriam escapar da miséria”, afirma o pesquisador brasileiro Rodrigo Trespach. “No início da imigração, no século 19, houve um choque cultural. Os imigrantes falavam outra língua e tinham outra religião [protestante], mas não houve uma xenofobia generalizada. A chegada era incentivada pelas autoridades interessadas em povoar o país e aproveitar essa mão de obra mais especializada. O mesmo ocorreu com outros grupos, como os italianos. O movimento em direção à Europa não é diferente de outras migrações do passado. A diferença está na maneira como os europeus estão acolhendo esses imigrantes.”
Guerra, miséria, perseguição
Com a ascensão do nazismo na Alemanha em 1933, a Alemanha experimentou uma nova onda de emigração. Boa parte desses refugiados era formada por judeus, mas também havia opositores políticos e religiosos, assim como artistas perseguidos pelo regime. Cerca de 16 mil conseguiram vistos de entrada para o Brasil. Entre eles estavam políticos alemães, como Johannes Hoffmann, que após o fim da Segunda Guerra voltou para a Alemanha e se tornou governador do estado do Sarre.
Entre 1933 e 1941, eram os alemães que fugiam para o Oriente Médio. Segundo dados do Museu do Holocausto dos EUA, cerca de 60 mil alemães de origem judaica migraram nesse período para a Palestina, na área que viria a formar o Estado de Israel, para escapar do nazismo. Um movimento similar ocorreu entre 1945 e 1952 em direção aos EUA, quando 400 mil refugiados europeus receberam vistos de entrada.
Em um artigo publicado recentemente, o ex-ministro das Relações Exteriores da Alemanha Joschka Fischer apontou que a atual corrente migratória em direção à Europa segue o mesmo padrão da antiga onda europeia pelo mundo. No século 19, a maioria dos europeus deixava seus países por causa da miséria e de novas oportunidades. Na primeira metade do século 20, para escapar da guerra e da perseguição política, étnica e religiosa.
O paralelo fez sentido na Alemanha até mesmo depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Logo após o fim do conflito, os antigos territórios no leste da Alemanha foram anexados pela Polônia e pela União Soviética, resultando na expulsão de cerca de 14 milhões de alemães dessas áreas. A maior parte desses refugiados ocupou temporariamente campos nas áreas ocidental e oriental do país, antes de finalmente se fixarem em outras cidades, de uma maneira não muito diferente das dezenas de milhares de sírios que estão chegando ao país atualmente.
Uma parte desses alemães encontrou abrigo em outros países. O Brasil, por exemplo, acolheu entre 1945 e 1952 mais de 29 mil refugiados – no sentido moderno do termo, conforme explicitado pelas Nações Unidas. Os EUA acolheram um total de 400 mil refugiados europeus entre o fim da guerra e 1952, entre eles vários alemães.
Outros, como Itália e Espanha, ainda observavam a sua população ir embora mesmo na década de 1970, enquanto países como Alemanha e Reino Unido já experimentavam a entrada em massa de emigrantes da Turquia e de outros continentes. Outros, como a Ucrânia e a maior parte dos países dos Bálcãs, ainda continuam a gerar emigrantes.
Os países que hoje compõem a União Europeia só pararam de “exportar” pessoas para outros continentes a partir da década de 1980, quando os países do Mediterrâneo começaram a alcançar o mesmo padrão de vida do restante do bloco.
“Não há razão para que partes turbulentas fora do mundo europeu não alcancem a paz e a prosperidade no futuro. O que os europeus precisam fazer é tudo que esteja ao alcance para acelerar isso e ao mesmo tempo ajudar e socorrer as pessoas que podem desempenhar papéis em tornar isso possível. Nós devemos lembrar de quando éramos emigrantes e refugiados”, afirma Jean-Pierre Lehmann.