Sozinho em seu apartamento em Abu Dhabi ou cercado por 25 milhões de pessoas em Xangai, João Paulo vive dividido. Entre memórias de infância, aventuras amorosas e desafios da carreira diplomática, ele entende que a liberdade parece não existir sem solidão.
Essa é a premissa de Filho da Mãe, romance de João Filipe da Mata sobre a dualidade de um jovem gay brasileiro pelo mundo afora: ao mesmo tempo em que vive em cidades incríveis, ele sente não pertencer a lugar algum.
Diplomata de trinta e poucos anos morando no exterior, João Paulo retorna ao Brasil para o funeral da antiga babá, Zila. O protagonista logo inicia um romance com um skatista em Brasília, mas depois parte rumo a uma viagem de descobertas pelo interior de Minas Gerais na companhia de Zilo, filho órfão da cuidadora.
Nessa roadtrip, o personagem principal entra em contato com lembranças antigas sobre a relação distante com a mãe e a proximidade com Zila. Ele também descobre que Zilo guarda uma grande mágoa, e a tensão entre os dois desafia a capacidade de cada um de fazer as pazes com o passado e seguir em frente.
De fato, foi na China que entendi quantos somos no planeta. Foi na Praça do Povo, no feriado de outubro, que aprendi o que é uma multidão. Foi no metrô de Xangai que senti, pela primeira vez, que eu e os outros somos apenas mais um. (Filho da Mãe, p. 17)
Um dos destaques gráficos do livro é a ausência de travessões para indicar diálogos. Escrito em diferentes vozes, as frases pensadas e as frases de fato ditas são diferenciadas pelo posicionamento na página, em clara oposição.
Segundo o autor, o recurso estilístico foi utilizado para refletir o arco narrativo vivido pelo personagem e a sua dificuldade de dizer o que pensa e sente.
Esse bloqueio para se expressar aparece já na escolha do título que atenua um palavrão popular, mas que também faz referência a uma dúvida do protagonista sobre quem é sua verdadeira mãe. “No Brasil, não é incomum ver crianças de classe alta que são mais próximas da empregada doméstica do que da mãe.
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Em alguns casos, a babá vira uma segunda mãe, é ela que cuida dos filhos da patroa. Em outros, até mesmo substitui a própria mãe. E João Paulo está passando por esse processo de questionar não apenas quem ele é, mas de quem ele é filho”, comenta o autor.
Quando se tornou leitor, João Filipe da Mata sentia que as suas experiências pessoais raramente eram retratadas na literatura. Por isso, Filho da Mãe mescla aspectos da vida real com a ficção — além de os dois compartilharem a carreira na diplomacia e de serem brasilienses, a jornada do protagonista se entrelaça à trajetória de descoberta do próprio escritor como homem gay.
Ao fazer esse paralelo, a obra traz uma linguagem contemporânea e aborda a incessante busca humana por se compreender no mundo. A trama se relaciona com todas as pessoas que já viveram ou têm vontade de experimentar a vida no exterior, e também leva representatividade para a comunidade LGBTQIAP+, que pode se identificar com as felicidades e angústias de viver a sua verdade e sexualidade.