A Primeira Câmara do Tribunal de Apelações de Santiago decidiu reabrir a investigação sobre a morte do ganhador do Prêmio Nobel da Paz, o poeta chileno Pablo Neruda, ocorrida 12 dias após o golpe de Estado liderado por Augusto Pinochet em setembro de 1973.
“Resulta dos antecedentes que a investigação não está esgotada, existem procedimentos precisos que poderão contribuir para o esclarecimento dos fatos (…) ordena-se a reabertura do sumário”, afirmou o tribunal, numa decisão unânime publicada na noite da última segunda-feira, 19.
A juíza responsável pela investigação, Paola Plaza, que deve esclarecer se o ganhador do Prêmio Nobel morreu em decorrência do câncer de próstata avançado que o afligia ou se foi envenenado por um agente secreto da ditadura, encerrou a investigação no dia 25 de setembro, mas a família e o Partido Comunista – no qual Neruda atuou desde jovem – recorreram da decisão.
“A unanimidade da decisão é um impulso para o nosso recurso. Conseguimos remover a lápide que queriam colocar nesta investigação. Lutamos há 14 anos para esclarecer a morte de Neruda”, disse Elizabeth Flores, advogada da família.
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O autor de “Vinte Poemas de Amor e uma Canção de Desespero” faleceu em 23 de setembro de 1973 na Clínica Santa María de Santiago, um dia antes de se exilar no México.
A tese do envenenamento foi levantada publicamente pela primeira vez pelo motorista e secretário pessoal do poeta, Manuel Araya, falecido em junho do ano passado e uma das últimas pessoas a vê-lo vivo.
O seu depoimento esteve na base da denúncia apresentada pelo Partido Comunista – apoiado por parte da família – e que em 2011 deu origem à investigação que agora deve ser reaberta.
“A verdade demora a chegar, mas vai chegando aos poucos. É uma grande conquista de justiça que pedimos há anos para meu tio Pablo”, disse Rodolfo Reyes, o demandante e sobrinho do poeta.
A investigação, que contou com a participação de três painéis de especialistas internacionais, sofreu uma reviravolta em 2017, quando o segundo grupo de especialistas rejeitou a versão oficial que apontava o cancro da próstata como causa da morte e encontrou “Clostridium botulinum” em um dente do poeta.
Clostridium botulinum, responsável pelo botulismo, é um bacilo normalmente encontrado no solo que pode causar problemas no sistema nervoso e até a morte.
Um terceiro painel de especialistas das Universidades de McMaster (Canadá) e Copenhague (Dinamarca) revelou há um ano que a bactéria “estava no seu corpo no momento da morte”, o que para a família foi interpretado como uma prova irrefutável de que Neruda estava “envenenado” durante sua estada na clínica.
“Desde 2017, Neruda grita que tem ‘clostridium botulinum’ no corpo e que lhe chegou através da intervenção de terceiros”, sublinhou o advogado Flores.
Não se sabe, no entanto, como a toxina botulínica, que também é normalmente encontrada em alimentos enlatados mal conservados, teria sido introduzida no corpo de forma natural ou intencional.
Na decisão de segunda-feira, a Primeira Câmara do Tribunal de Apelações de Santiago ordenou também no acórdão a realização de vários procedimentos solicitados pelos demandantes, como o exame caligráfico da certidão de óbito e a obtenção de novas declarações.
Para a família, a diligência mais importante é uma “meta-perícia que permite rever e interpretar os resultados da perícia realizada por peritos das Universidades McMaster e Copenhague, que deve ser realizada apenas por peritos propostos pelas referidas instituições”.
Reyes explicou que o juiz do caso pediu a diferentes universidades chilenas que interpretassem o relatório pericial do ano passado, mas que “não têm o conhecimento ou a experiência para fazê-lo” e que o Canadá e a Dinamarca são os países “mais líderes” neste tipo de análise forense.