O diagnóstico é de Camila Caldeira Nunes Dias, professora da Universidade Federal do ABC e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP.
Para Dias,falta disposição nas três esferas do Poder para se atacar o problema, cuja origem está na política de encarceramento em massa, nas péssimas condições de cumprimento de penas e na ausência de políticas públicas de prevenção à criminalidade.
A crise no Maranhão ganhou repercussão nacional com a divulgação de um relatório produzido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O documento mostrou que 60 presos foram mortos no interior de estabelecimentos prisionais do Estado no ano passado e que mulheres foram estupradas durante o período de visitas. No Complexo de Pedrinhas, houve episódios de violência extrema com detentos mortos sendo decapitados em confrontos entre facções rivais. Nesta terça-feira 7, um vídeo divulgado pela Folha de S.Paulo mostrou a barbárie em detalhes.
Também nesta terça-feira 7, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, recebeu um relatório do governo do Maranhão sobre a situação dos presídios no Estado. A resposta da administração de Roseana Sarney (PMDB) rebate o documento produzido pelo CNJ e servirá como base para avaliar a possibilidade de uma intervenção federal no sistema carcerário maranhense. A medida, excepcional, suprime temporariamente a autonomia do Estado, assegurada pela Constituição.
A intervenção é complexa, tanto do ponto de vista jurídico quanto político. Ela só pode ser autorizada pelo Supremo Tribunal Federal, em alguns casos com anuência do Congresso Nacional, quando há casos concretos de ameaça à ordem pública. “Há também uma dificuldade política em se realizar a intervenção, principalmente por causa das alianças partidárias”, diz Camila Dias. “A intervenção é um reconhecimento da incapacidade daquele Estado em lidar com a situação. Politicamente, não interessa a nenhum governo esse reconhecimento de sua incapacidade, então, sempre se evita ao máximo.” No caso em questão, a família Sarney é aliada da presidenta Dilma Rousseff (PT) em âmbito nacional.
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A pesquisadora da USP e da UFABC avalia que, na maioria dos casos, as medidas para se contornar crises agudas nos presídios têm efeitos apenas emergenciais e de curto prazo, como reforços no policiamento ou oferecimento de vagas em outras penitenciárias para se separar detentos de alta periculosidade. “São necessárias medidas de longo prazo, e não só do Executivo, mas do Judiciário também”, avalia Dias. “Não só no Maranhão, mas no Brasil inteiro, você tem uma quantidade imensa de pessoas presas por crimes que poderiam ser punidos com medidas alternativas. A adoção de outras medidas punitivas seria muito importante para tornar o cenário carcerário brasileiro menos explosivo”, afirma.
A adoção de penas alternativas para crimes de menor gravidade é defendida por inúmeros especialistas como parte de uma solução de longo prazo, mas encontra resistências. Está cada vez mais presente no Brasil um discurso, reforçado pela grande imprensa, em favor do endurecimento penal. “Os políticos, com seus interesses eleitorais, particulares, acabam encampando essas demandas, porque sabem que dão voto. Você defender a Rota na rua, prisão para bandido, eleitoralmente, é muito positivo. No Legislativo, esse discurso é alimentado com projetos de lei para reduzir a maioridade penal, prisão perpétua, entre outros.”
Além do Maranhão
Casos como o do Maranhão se repetem ano após ano em presídios em todo o País. Penitenciárias em São Paulo, Rio de Janeiro, Piauí, Espírito Santo já foram palco de ações violentas e mortes de detentos após brigas internas entre facções rivais. Um caso emblemático é o do presídio Urso Branco, em Rondônia. Em 2008, após episódios de tortura e mortes em série o procurador-geral da época entrou com um pedido de intervenção federal, que não chegou a ser julgado pelo STF. A penitenciária é a mesma em que, em 2002, uma rebelião de detentos deixou 27 mortos.
Para a socióloga da USP, os episódios de violência estão intimamente ligados às condições precárias de cumprimento de pena no Brasil e à superlotação de presídios. Segundo dados de dezembro do Sistema de Informações Penitenciárias (Infopen) do Ministério da Justiça, 548 mil pessoas compõem a população carcerária no Brasil, mas os complexos penitenciários dispõem de apenas 310,6 mil vagas.
“A superlotação é uma invariante histórica no Brasil. Mas construir presídios, que é só o que se faz no Brasil há décadas, não resolve, porque se constrói para superlotá-los novamente. É preciso interromper esse ciclo. E isso só será feito com medidas preventivas à criminalidade, de garantia de direitos às populações pobres, de periferia, que são a clientela massiva do sistema carcerário brasileiro”, afirma.
Dias aponta que, no Brasil, onde há 288 presos para cada 100 mil habitantes, se prende muito, porque, após mais de 20 anos da redemocratização do Brasil, uma parcela significativa da população se encontra alijada de quaisquer direitos. “O Estado só lida com essa população através das instituições policiais e carcerárias. O fundo estrutural do problema da violência, do encarceramento, da criminalidade é esse”, afirmou. “Se você der uma olhada global na população que está encarcerada no Brasil, ela é composta majoritariamente por negros, jovens, pobres. Moradores de periferia. É um reflexo de um País absurdamente desigual, estruturalmente não democrático e historicamente racista e excludente”, afirma.