Uma obra orçada em R$ 50 milhões pelo Ministério Público Federal pode beneficiar negócios do deputado federal Vermelho (PSD-PR). Sócio de construtora, ele assina projeto de lei para abrir uma estrada através do Parque Nacional do Iguaçu. Dois de seus três filhos também têm construtoras. Um deles concorreu em edital para reformar uma via de acesso àquela reserva natural. Sua empresa está em uma área protegida, nas margens do Rio Iguaçu.
O projeto de lei do deputado federal Nelsi Coguetto Maria, o Vermelho, quer alterar a legislação federal ligada à criação e à gestão de Unidades de Conservação em todo o país para construir uma estrada através do Parque Nacional do Iguaçu, no oeste do Paraná. Conforme a proposta que tramita na Câmara, a obra “atende ao clamor social de décadas do povo paranaense, resgatando a história e as relações socioeconômicas, ambientais e turísticas da região”.
O texto de Vermelho é semelhante a propostas do senador Álvaro Dias (Podemos-PR) e do ex-deputado federal Assis do Couto (PDT) para a reabertura da chamada Estrada do Colono. A empreitada é apoiada por Jair Bolsonaro, pelo governador do Paraná Ratinho Júnior (PSD) e por deputados estaduais. Durante reunião do Conselho Municipal de Turismo de Foz do Iguaçu, em outubro, Vermelho afirmou que o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles também é favorável à obra (confira abaixo).
Mas Daniela Caselani Sitta, procuradora da República em Foz do Iguaçu (PR), avalia que as propostas de Vermelho e de outros parlamentares “quebram” o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, pois se aprovados facilitarão a abertura de estradas em todos os parques nacionais, reduzindo a proteção dos ambientes naturais, animais e vegetação abrigados nesses territórios.
“Os projetos são ‘eleitoreiros’, beneficiariam pequena parcela da população e afrontam o regime democrático buscando eliminar decisões judiciais com trânsito em julgado (quando não há mais possibilidade de recursos). Caso sejam aprovados, sofrerão Ações Diretas de Inconstitucionalidade”, completou.
Advogado e ex-prefeito de Salto do Lontra (PR), Vermelho ocupa seu primeiro mandato na Câmara dos Deputados. Ele seria o mais rico entre os trinta eleitos em 2018 para a bancada federal paranaense. À Justiça Eleitoral, declarou possuir quase R$ 9 milhões em bens. Desses, R$ 2 milhões são da sociedade na Vermelho Construtora de Obras. A Receita Federal mostra que Matheus e Thiago Veloso Maria, dois dos três filhos do parlamentar, também possuem construtoras.
As empresas atuam em obras públicas em municípios paranaenses. Em Foz do Iguaçu, reformaram a pista de pouso do aeroporto internacional, asfaltaram a Avenida Olímpio Rafagnin e outras vias. Em novembro de 2010, Thiago concorreu em um edital público do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) para recuperar 12 quilômetros de uma rodovia que dá acesso ao Parque Nacional do Iguaçu. Não venceu a disputa.
Enquanto isso, em Foz do Iguaçu sua empresa Via Venetto Construtora de Obras figura em uma faixa de 200 metros desde a margem do Rio Iguaçu, onde a legislação federal pede que seja mantida a vegetação nativa. Essa regra vale desde meados dos anos 1960. A Via Venetto está registrada desde dezembro de 1998.
Durante vistoria realizada em agosto na região, o Ministério Público Federal também identificou lavouras, criação de animais, extração de areia e basalto operando às margens do mesmo rio. As irregularidades são alvo de ações civis e de inquéritos. As licenças dos empreendimentos foram questionadas junto à Prefeitura de Foz do Iguaçu, ao Instituto Ambiental do Paraná e à Agência Nacional de Mineração.
Quem paga?
O projeto do deputado federal Vermelho não detalha como seria a estrada através do Parque Nacional do Iguaçu, não aponta possíveis medidas para a redução de impactos sobre vegetação e animais na área protegida e nem dá pistas de quem pagará pela vultosa empreitada.
O Ministério Público Federal estimou em R$ 50 milhões a construção de uma rodovia convencional no trecho. Mas a conexão entre Serranópolis do Iguaçu e Capanema depende da operação de uma balsa ou da construção de uma ponte com mais de 600 metros cruzando o Rio Iguaçu.
Em obras, a segunda ponte entre o Brasil e o Paraguai terá 760 metros sobre o Rio Paraná. Foi estimada em R$ 323 milhões pelo DNIT. O financiamento é da Itaipu Binacional, responsável pela hidrelétrica de mesmo nome.
Enquanto propostas tramitam no legislativo federal, a influência da família de Vermelho pode estar presente em outras frentes regionais. Matheus e outro filho do parlamentar, Thadeu Veloso Maria, figuram em processo sobre bens privados que tramita na Justiça Paranaense desde meados de 2018, respectivamente como Diretor Adjunto e como membro do Conselho Editorial do Gazeta Diário, de Foz do Iguaçu.
O veículo publica frequentemente conteúdo favorável à estrada no parque nacional. Eles “não fazem mais parte do conselho editorial deste jornal”, afirmou sua Administração. A informação não consta mais em suas versões impressa e eletrônica.
Dourando a pílula
A Estrada do Colono era uma precária de estrada de terra que cortava o Parque Nacional do Iguaçu até ser fechada em 1986, por decisão da Justiça Federal. Naquele ano, a área protegida foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco, sigla em inglês) como Sítio do Patrimônio Natural da Humanidade.
Populares incitados por políticos regionais tentaram reabri-la em 1997 e 2003, mas a via foi bloqueada por novas ações judiciais e de órgãos federais. Com isso, a distância entre as duas cidades aumentou de cerca de 50 para 180 quilômetros. Em Serranópolis vivem 4,5 mil pessoas. Capanema, ao sul da área protegida, tem 18,5 mil habitantes.
Desde então, a floresta cobriu totalmente o trecho. Por isso, construir uma rodovia no Iguaçu terá impactos mais severos do que a perda 20 hectares do verde daquele parque nacional, a maior reserva de Mata Atlântica do sul do país. Tentando minimizar os estragos na área protegida, Vermelho e outros defensores da obra a batizaram de “estrada parque”, “estrada ecológica” e “bioestrada”.
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Conforme Helio Secco, secretário-geral da Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes, projetos de lei tramitando no Congresso distorcem práticas de outros países e abrir uma estrada no Iguaçu prejudicará a vida selvagem e o turismo. A Rede reúne cerca de 200 pesquisadores de instituições públicas e privadas dedicados à investigação científica e difusão de informações sobre a ecologia de transportes por terra, ar e águas.
“Estradas-parque cruzam belas paisagens rumo a áreas protegidas e formam corredores ecológicos em países como os Estados Unidos, não cortam parques nacionais. Uma rodovia no Iguaçu aumentará o atropelamento de animais – inclusive ameaçados de extinção, como a onça-pintada –, a caça, a extração de palmito e de madeiras em uma área protegida que é motivo de orgulho para os brasileiros e referência mundial em turismo”, ressaltou o biólogo.
A visitação no Parque Nacional do Iguaçu cresce a cada ano e, em 2019, foram 2 milhões de turistas. Eles vieram de 174 países, principalmente de Brasil, Argentina, Paraguai e Estados Unidos. A área protegida foi decretada em 1939, pelo presidente Getúlio Vargas.
Tentamos contato por telefone e e-mail e aguardamos por vários dias, mas o deputado federal Vermelho e seus filhos Thiago e Matheus não atenderam à reportagem d´O Eco. Assim, não pudemos esclarecer aos leitores se há embasamento técnico e financeiro para a proposta do parlamentar, e nem se os familiares concorrerão ou não em possíveis editais para a construção de uma rodovia no Parque Nacional do Iguaçu.
Ministério do Meio Ambiente e ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) também não se pronunciaram sobre os projetos em trâmite no Congresso, que afetam diretamente um parque nacional e indiretamente todo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação.