Um estudo publicado na quarta-feira (24) na revista Frontiers in Veterinary Science traz um importante alerta sobre o impacto do desmatamento e de monoculturas na saúde da população mundial. De acordo com pesquisadores da Universidade de Montpellier, na França, surtos de doenças infecciosas são mais prováveis nessas regiões, e as epidemias tendem a aumentar à medida que a biodiversidade declina.
Para chegar a esse cenário, os especialistas examinaram a correlação entre as tendências de cobertura florestal, plantações, população e doenças em todo o mundo usando estatísticas de instituições internacionais como a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Banco Mundial, a FAO e o banco de dados de epidemias da Gideon. No período de dados coletados, de 1990 a 2016, foram identificados 3.884 surtos de 116 doenças zoonóticas (aquelas que passam de animais para seres humanos) e 1.996 surtos de 69 doenças infecciosas transmitidas por vetores, principalmente por mosquitos, carrapatos ou moscas.
A expansão das plantações de dendê (óleo de palma) chamou atenção, pois correspondeu a aumentos significativos nas infecções por doenças transmitidas por vetores, principalmente na Ásia. Os pesquisadores destacam uma meta-análise realizada no sudeste da Ásia onde especialistas apontaram para uma associação entre o aumento de doenças como dengue ou chikungunya e a conversão de terras, incluindo florestas, em plantações comerciais de borracha, dendê, entre outros.
“Fiquei surpreso com a clareza do padrão”, afirmou Serge Morand, um dos autores do estudo, ao site Eurekalert.org. “Devemos dar mais atenção ao papel da floresta na saúde humana, animal e ambiental. A mensagem deste estudo é ‘não se esqueça da floresta´.”
Há anos os efeitos negativos do desmatamento para a saúde já são pontuados por pesquisadores ao redor do mundo. Já se sabe que a devastação ambiental no Brasil – por exemplo, o desmatamento de Rondônia na década de 1980 – foi relacionada a epidemias de malária. No sudeste da Ásia, estudos mostram como o desmatamento favorece o mosquito Anopheles darlingi, vetor de várias doenças.
No entanto, esta é a primeira pesquisa que ofereceu uma visão global das consequências do desmatamento e das mudanças na cobertura florestal sobre a saúde humana. Para tal, além da correlação estabelecida, que sozinha não é prova de casualidade porque outros fatores podem estar envolvidos, como perturbações climáticas, os autores analisaram outras referências, como estudos de caso individuais que destacam as ligações entre epidemias e mudanças no uso da terra. Eles alertam, no entanto, que como outros diversos fatores também influenciam o surgimento de novas epidemias, mais investigações seguem sendo necessárias.
A pesquisa aponta ainda que até mesmo o plantio de árvores pode aumentar os riscos à saúde das populações humanas locais se contemplar um restrito número de espécies, como costuma ser o caso em florestas comerciais. Os autores explicam que isso ocorre porque as doenças são filtradas e bloqueadas por uma variedade de predadores e habitats em uma floresta saudável e biodiversa.
Quando esse cenário é substituído por uma plantação de dendê, campos de soja ou blocos de eucalipto, por exemplo, muitas espécies mais específicas morrem, deixando espaço para outras mais generalistas, como ratos e mosquitos, se desenvolverem e espalharem patógenos em habitats humanos e não humanos. O resultado é uma perda de regulação natural de algumas doenças.
O levantamento também acrescenta evidências de que os vírus são mais propensos a saltar para humanos ou animais se eles viverem em/ou perto de ecossistemas afetados, como florestas recentemente desmatadas ou pântanos drenados para terras agrícolas, projetos de mineração ou residenciais. Quando esses locais são próximos a áreas urbanas, o cenário é mais preocupante.
“Devemos levar em conta os custos de saúde pública ao considerar novas plantações ou minas. Os riscos são primeiro para a população local, mas depois para todo o mundo, porque vimos com a Covid-19 como as doenças podem se espalhar rapidamente”, alerta Morand.
Os autores do estudo estão agora trabalhando em uma pesquisa mais detalhada que usará a análise de satélite da cobertura florestal para examinar as ligações com novos surtos de doenças. Com mais informações, eles acreditam que pode ser possível prever futuros surtos e trabalhar com as comunidades locais para construir paisagens ecologicamente diversas e economicamente produtivas que reduzam os riscos.