O júri ainda vai julgar a responsabilidade da Bayer, dona da Monsanto, que desenvolveu a fórmula. Em fevereiro, a Anvisa liberou o produto no Brasil, ignorando pesquisas que o apontam como cancerígeno.
São Paulo – O glifosato está cada vez mais presente no banco dos réus nos Estados Unidos, principalmente pela acusação de causar câncer em pessoas expostas ao agrotóxico. Na terça-feira (19), um júri federal de São Francisco, na Califórnia, reconheceu que o Roundup, nome comercial do produto desenvolvido pela multinacional Monsanto, hoje propriedade da Bayer, contribuiu para o desenvolvimento do câncer no aposentado Edwin Hardeman, um Linfoma não-Hodgkin, que afeta principalmente o sistema imunológico.
Os jurados se pronunciaram apenas sobre a culpa do glifosato no câncer de Hardeman. A responsabilidade dessas empresas será julgada na segunda fase do processo, quando serão ouvidos médicos, cientistas e as indústrias – o que traz o temor de manipulações de dados e pesquisas que deverão ser apresentados.
À imprensa britânica, a Bayer afirmou estar decepcionada com o veredicto. Desde que comprou a Monsanto, por US$ 63 bilhões, as ações da multinacional alemã foram desvalorizadas em cerca de 40% por causa das derrotas em tribunais dos Estados Unidos, onde tramitam mais de 8 mil processos somente contra o herbicida mais vendido em todo o mundo.
Em agosto, um tribunal estadual da Califórnia condenou a Bayer/Monsanto por ter causado no jardineiro Dewayne Johnson o mesmo tipo de câncer desenvolvido por Hardeman. E calculou indenização no valor de US$ 289 milhões. Nesse caso, não só o produto causador da doença foi condenado, mas também o fabricante, por ter agido intencionalmente para esconder os riscos do glifosato. O valor acabou reduzido para US$ 78,5 milhões e mesmo assim a Bayer entrou com recurso, argumentando que “a ciência confirma que os herbicidas à base de glifosato não causam câncer”.
O cerco ao glifosato vai além das decisões judiciais nos Estados Unidos. Na Europa, países como a França estudam bani-lo. E a Rússia já impôs exigências ao Brasil. Caso queira continuar exportando soja para lá, terá de reduzir o uso de agrotóxicos, conforme decisão do Serviço Federal de Vigilância Veterinária e Fitossanitária, o Rosselkhoznadzor, de 31 de janeiro.
No entanto, o Brasil insiste em seguir na contramão. Ao reavaliar o glifosato do ponto de vista toxicológico, a Anvisa o absolveu, dando ouvidos somente aos fabricantes e ignorou todos os estudos e evidências que apontam que o produto causa câncer e que está associado também a malformações congênitas e em alterações no sistema reprodutivo. Em nota técnica divulgada em 22 de fevereiro, estabelece que a formulação não se enquadra em critérios proibitivos: não seria mutagênica, carcinogênica e não afetaria a reprodução.
Autora do Atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia, a pesquisadora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP) Larissa Mies Bombardi afirmou que a nota técnica “não é séria”. À Rádio Brasil Atual, Larissa destacou que as conclusões do órgão vão na contramão de estudos sobre os reais malefícios do agrotóxico à saúde. “Penso que é um tremendo despautério afirmar que não há esses riscos”, afirmou a pesquisadora. “Esse trabalho da Anvisa desqualifica o Iarc (Agência Internacional de Pesquisa em Câncer contratada pela Organização Mundial da Saúde que admite que o glifosato é cancerígeno para os humanos”.
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E destacou que o risco é mais elevado para quem trabalha diretamente exposto ao produto. “Não é preciso ser especialista para saber que o risco é maior para quem está lidando com essa substância. O que tem por trás dessa conclusão é uma estratégia clara de tentar inverter a ordem das coisas e culpar a vítima.”
Por Redação RBA