A empresa é responsável pela produção de “munição e artigos de baixa letalidade”, conforme registro no ofício 581/2014 da Secretaria de Estado da Segurança Pública. As informações estão no Diário Oficial do Estado, de 15 de maio daquele ano.
A compra ocorreu por inexigibilidade de licitação. Na prática isso significa que não há outro fornecedor disponível e com isso a empresa produtora não tem concorrência. Um especialista em licitações ouvido pela reportagem e que prefere não se identificar por questões políticas explica. “O fato de a compra ser feita por inexigibilidade faz com que não haja concorrência e assim a empresa não precisa diminuir o custo para conseguir o contrato. Desta forma ela fecha com o valor que bem entender. Uma inexigibilidade não precisa de outros orçamentos, pois é uma compra de notório saber ou exclusividade. Assim a empresa pode ter um grande lucro na venda, embora seja necessário ressaltar que não há ilegalidade alguma”, relata. No Brasil apenas a ANL produz armas não-letais, contudo, sua produção está limitada aos sprays de pimenta.
Os materiais comprados neste processo foram utilizados na repressão aos servidores públicos, notadamente os professores e funcionários de escola. Modelos como o GL-202, que tem um alcance de até 150 metros, foram largamente utilizados pela polícia durante a tarde do dia 29 abril por aproximadamente duas horas de ataque.
Na Praça Nossa Senhora de Salette, que fica em frente à Assembleia Legislativa do Paraná, o senador Roberto Requião (PMDB-PR) denunciou que havia um veículo com 1.500 bombas armazenadas prontas para o uso. Contudo, o próprio Requião avalia que é possível que mais de 1.800 unidades estivessem no local à disposição das forças de repressão.
Um orçamento enviado pela Condor S/A à Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos em 2012 demonstra o valor unitário de alguns produtos. O chamado “Kit Operacional Especial Não Letal II – Longa distância”, por exemplo, custa R$ 14 mil a unidade. Ele contém um lançador de munições não-letais de calibres 40mm, cartuchos de balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo do modelo GL 203/T, também utilizado na repressão ao protesto dos servidores públicos.
De forma separada é possível estimar um valor aproximado do uso das 1.800 bombas apontadas por Requião em R$ 360 mil. A referencia é a nota fiscal de número 000007490 emitida em maio de 2014 para a mesma secretaria. Naquele momento foram vendidas spray de pimentas, balas de borracha e bombas dos modelos GL 202, GL 203-T e GL 203-L. O valor total da nota foi de R$ 5 mil. A cotação unitária das bombas vai de R$ 198,00 até R$ 246,00, variando de acordo com o modelo.
O valor de R$ 6,3 milhões gasto pelo Governo do Estado em 2014 é superior, por exemplo, à compra realizada com a empresa no início do primeiro mandato do governador Beto Richa. O diário oficial de 12 de maio de 2011 aponta que o poder executivo estadual fez uso de uma ata de Registro de Preço de 2010. Naquela data a Secretaria de Estado da Segurança solicitava a compra de R$ 1,1 milhão junto à Condor S.A Indústrias Química. Isto representa ampliação de 470%, um percentual expressivo, o que poderia ser justificado pela realização da Copa do Mundo de 2014 se o Governo Federal não tivesse repassado equipamentos para os estados das cidades-sede.
Copa
Em 2012 o Ministério da Justiça firmou um contrato com a Condor S/A para o fornecimento de equipamentos para a segurança do campeonato mundial de futebol que o Brasil sediou em 2014. O documento de número 11/2012 tinha como objetivo a “aquisição de armamentos não letais a serem destinados aos Estados sedes dos jogos da Copa das Confederações, da Copa do Mundo de 2014 e grandes eventos”.
O valor total do acordo firmado com o Governo Federal para atender 12 estados foi de R$ 49 milhões. O Paraná constava no documento com equipamentos avaliados em R$ 3,7 milhões com entrega prevista até o dia 10 de abril. O Estado foi o sexto a mais receber recursos previstos no pacto a frente de estados como Rio Grande do Sul, Pernambuco, Minas Gerais e Distrito Federal.
No caso da compra isolada, o Paraná gastou com a empresa 12% de tudo que a União investiu para atender 12 estados, Do total de recursos federais, 7,5% foram destinados ao Estado neste primeiro momento. De acordo com a Assessoria de Imprensa do Ministério da Justiça, além disso, o Governo Federal também destinou ao Estado outros equipamentos de segurança, como centro integrado de comando e controle móvel, centro integrado de comando e controle regional, plataforma de observação elevada, imageador aéreo, entre outros.
Comparativos
Uma reportagem publicada em um portal do Mato Grosso do Sul dava conta que seis meses antes da compra realizada pelo Governo do Paraná, a Secretaria de Justiça e Segurança Pública daquele estado também firmou um contrato com a Condor para compra de munições não-letais. O valor era de R$ 179 mil, quantia significativamente inferior ao montante gasto no Paraná.
Os R$ 6,3 milhões do erário paranaense destinados à empresa carioca, por exemplo, seriam suficientes para construir oito unidades básicas de saúde semelhantes à anunciada por Richa em Pato Branco no dia 23 de agosto de 2013. O investimento de R$ 722 mil, neste caso, foi destaque em matéria publicada na Agência Estadual de Notícias, órgão oficial de comunicação do Governo do Paraná.
A empresa
A Condor Tecnologias Não-Letais está situada na baixada Fluminense, no Rio de Janeiro e vem ganhando destaque nacional e internacional a produção de seus artefatos. Fundada em 1985, a Condor vende armas não-letais, ou de baixa letalidade, para 41 países com o objetivo de reprimir manifestações públicas. Turquia, Grécia, Índia, Bahrein e o próprio Brasil são alguns dos exemplos.
SESP
A reportagem também entrou em contato com a Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado da Segurança Pública do Paraná. O objetivo era saber se há uma estimativa de quais e quantos materiais não-letais ou de baixa letalidade foram utilizados no dia 29 de abril. Também foram enviados questionamentos sobre quem adquiriu os equipamentos, sobre a instauração do inquérito para investigar a atuação da Polícia Militar, se o órgão entendia que os procedimentos de segurança que constam nos manuais de orientação foram seguidos e se o Governo do Estado adotou algum tipo de mudança na orientação para a tropa em casos de manifestações públicas.
Por e-mail a secretaria respondeu que “o caso está sendo investigado pelo Ministério Público, Polícia Civil e Polícia Militar. Após o ocorrido, o governador Beto Richa assinou um decreto para disciplinar, aprimorar, normatizar e padronizar o uso de munição não letal em manifestações públicas, situações com reféns, motins e rebeliões de presos. As medidas são voltadas às operações de segurança pública, que incluem a participação de policiais militares, civis, agentes penitenciários ou qualquer outro agente que utilize esses materiais”.