Termoelétrica em Peruíbe: população pode barrar usina via legislação municipal

Foto: Reprodução

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Houve, na Câmara dos Vereadores de Peruíbe, a leitura de dois projetos de lei que podem, via legislação ambiental, barrar o projeto Verde Atlântico Energia, capitaneado pela empresa Gastrading, e que visa implantar uma usina termoelétrica no município.

A maioria da população de Peruíbe se coloca contrária ao projeto. Por diversas razões, mas principalmente por conta de uma desconfiguração social e ambiental que o município pode sofrer caso a usina seja construída e opere na cidade. Entrevistamos em setembro André Ichikawa e Pedro Delázari, do Coletivo Ativista Litoral Sustentável, exatamente um mês antes da leitura destes projetos de lei. Na ocasião eles já alertavam que o projeto poderia causar em Peruíbe uma espécie de “cubatanização” da região – em referência à cidade de Cubatão, conhecida por suas indústrias poluentes que, entre outras coisas, ficou famosa pelo nascimento de crianças com má formação cerebral nos anos 90 em decorrência da poluição industrial.

“Os moradores da região, ONGs, associações e movimentos sociais são contra o empreendimento e vêm protestando juntos contra a instalação da usina. Para eles, além do empreendimento representar um grave ataque ao ecossistema, a cidade de Peruíbe seria totalmente descaracterizada e sofreria um processo de transformação social e econômica parecido com a cidade de Cubatão. Para nós, moradores de Peruíbe, esse projeto não é tão somente um empreendimento, mas uma ameaça a nossa qualidade de vida”, avaliaram.

Ichikawa e Delázari explicaram ao longo da entrevista (link ao final da matéria), com riqueza de detalhes, os impactos ambientais e sociais que o megaempreendimento deixaria na cidade e como isso se contrapõe aos valores que a própria população preza.

E em meio a todo esse contexto, o prefeito de Peruíbe Luiz Maurício, do PSDB, questionou o projeto através de nota da prefeitura. E em matéria assinada por Gustavo de Miranda para o jornal A Tribuna, em 16 de outubro passado, o mandatário justificou a declaração: “não foi solicitada a certidão com relação a toda a área que sofreria o impacto”. A declaração, aparentemente bem intencionada, foi avaliada pelos ativistas como uma forma de apropriação da pauta com finalidade de uso político por parte do prefeito.

Pedro Delázari explica o porquê desta avaliação: “a CETESB convocou o executivo municipal a se manifestar. E, de maneira inédita na história dos licenciamentos ambientais do Brasil, só jogou a responsabilidade para os Conselhos Municipais sob a tutela dos respectivos chefes de departamento. Todos os conselhos foram falando que não tinham capacidade técnica para opinar, com exceção do Conselho de Meio Ambiente. Sua então diretora, Kátia Pacheco, é doutora em ecologia e fez um documento amplo, detalhado e muito bem elaborado explicando o motivo de a usina ser nociva a nossa cidade, deixando o prefeito obrigado a indicar isto para a CETESB. Só que ele acabou usando esse dado politicamente ao não corrigir A Tribuna que o atribuiu esta declaração, fruto da pesquisa da diretora que em seguida pediu demissão sem declarar a razão do pedido – dias depois da publicação do documento. Sobre o prefeito, sua única declaração, de fato, foi que a prefeitura não teria corpo técnico para falar sobre o assunto e a empresa pediu uma certidão errada, que não contemplava toda a área do empreendimento. O prefeito ainda não se posicionou claramente, deixando uma série de precedentes”.

Pois bem, na entrevista publicada com os ativistas foi divulgada uma audiência pública que ocorreria no dia 28 de setembro no Peruíbe Palace, hotel de alto padrão localizado na cidade, mas que acabou cancelada pela Justiça.

“As audiências continuam canceladas, ninguém conseguiu ainda receber autorização para realizá-las, então nenhuma audiência foi remarcada, mas surgiu essa novidade dos projetos de lei. Via pressão popular, conseguimos formar uma frente parlamentar com 8 vereadores. São 8 de 15, portanto, somos maioria, e esses vereadores subscreveram um dos projetos de lei que, se aprovado, conseguirá barrar a construção da usina”, informou Pedro Delázari, horas antes da leitura dos projetos na Câmara.

Audiências canceladas e dirigismo corporativo

Através de depoimentos dos ativistas e de outras fontes na cidade, pudemos armar uma síntese das audiências, ou melhor, “um resumo das peripécias da Gastrading”, segundo avalia Delázari, com algum sarcasmo.

É importante ressaltar que uma audiência pública é condicionante do processo de licenciamento. É o momento no qual a empresa poluidora apresenta o empreendimento para a cidade, bem como a oportunidade da população se manifestar acerca do projeto. Sabendo disto, vamos aos fatos.

Primeiro foram realizadas audiências nos municípios de Cubatão, Praia Grande, Mongaguá e Itanhaém, todas marcadas pelo posicionamento contrário da população. Restava ainda a última audiência no município de Peruíbe, marcada para 17 de agosto.

No dia desta audiência, a empresa tentou impedir os manifestantes contrários ao empreendimento de entrar no local da audiência pública por uma questão de “escolha inadequada do local”. Com esse argumento, a população conseguiu cancelar a audiência.

Violando a normativa vigente, a empresa, juntamente com o CONSEMA (órgão estadual de fiscalização ambiental), tentou remarcar a audiência para 4 de setembro, sem respeitar o prazo mínimo de 20 dias da publicação no Boletim Oficial. Indignada, a população se insurgiu sobre a decisão, fazendo com que o MP acionasse o CONSEMA para que cumprisse a Lei. Dessa forma, pela segunda vez, a audiência foi cancelada.

Em nova tentativa, o local escolhido foi o Peruíbe Palace, para a audiência remarcada para 28 de setembro. Faltando um dia para o evento, o Ministério Público de Peruíbe entrou com uma Ação Civil Pública, com pedido liminar para que a mesma fosse cancelada, haja vista que o local não possuía o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVBC), o que foi acatado pelo juiz de Peruíbe Bruno Nascimento Troccoli (o Correio da Cidadania possui cópia das decisões judiciais). Dessa forma, com a decisão provisória, a audiência estava oficialmente cancelada.

Desconfiados, os movimentos sociais tomaram a decisão de manter as manifestações do dia 28 de setembro, mesmo com a desistência de algumas entidades de outros municípios. No local do evento, tudo transcorria naturalmente, havia grande movimentação por parte dos organizadores, o que causou mais desconfiança: será que a empresa descumpriria a decisão judicial?

Próximo do meio-dia veio a notícia: a liminar foi derrubada e o evento aconteceria no mesmo dia. Tudo isso acarretou uma desmobilização dos movimentos e todos foram convocados novamente a participar da manifestação. Pior: havia indícios de que 6 ônibus de sindicalistas de Cubatão, cooptados pela empresa poluidora, se dirigiam para a cidade. Além disso, havia 140 seguranças armados na porta do Peruíbe Palace a mando da Gastrading. Segundo apuramos, alguns já possuíam vínculo empregatício com a empresa, enquanto outros foram contratados apenas naquele dia.

“A ordem agora era resistir e não entrar no recinto, pois não confiaríamos na empresa para garantir a integridade dos manifestantes (cadê o AVBC?). No local, havia um clima de guerra: mais de 20 viaturas policiais, escolta armada e 140 seguranças, num clima intimidador”, relatou Delázari.

Na frente do Peruíbe Palace, a população se manifestou, gritando palavras de ordem contrárias ao projeto. Ao chegarem de Cubatão, os sindicalistas ficaram assustados com tamanha mobilização e sequer entraram no evento.

Por fim, veio a notícia de que a decisão foi revogada e a audiência cancelada pela terceira vez. “O povo de Peruíbe podia comemorar. A batalha estava ganha, mas a guerra continuava. Foi um golpe para desmobilizar as manifestações. A empresa aliciou a Força Sindical de Cubatão para comparecer em massa na audiência. Não temos provas concretas, mas estão cooptando pessoas nos bairros periféricos para assinarem listas de cestas básicas com interesse de promoção da empresa”, afirmou o Coletivo Ativista Litoral Sustentável.

Saga, morador de Peruíbe há 33 anos e consultor técnico de trânsito, conta que deixaram os ônibus do sindicato entrarem na cidade sem autorização e que “ainda por cima”, após o evento, prenderam um dos ônibus alocados pelo movimento contrário a usina que levaria de volta para casa estudantes e indígenas que moram em áreas mais distantes do centro de Peruíbe. “Eles não podiam sair de dentro do ônibus. Ficaram na frente da prefeitura, sem água e nem comida até dez horas da noite. Foi um ato ilegal de retaliação da prefeitura”, afirmou.

“(A saída de Pacheco) seja coincidência ou conflito interno, sinaliza que diante da pressão popular a prefeitura está tentando se articular para não arcar com as possíveis consequências que decorrerá caso a usina seja implantada, ou ainda, percebendo a derrota, tenta sair de cena menos desacreditada e com a imagem menos desgastada diante de uma vitória dos movimentos sociais”, escreveu na última terça-feira o site Frequência Caiçara Mídia Livre.

A população de Peruíbe aposta nesta frente parlamentar majoritária forjada a partir da pressão popular para aprovar os projetos de lei supracitados e finalmente conseguirem barrar a termoelétrica. Enquanto isso, com o pedido de demissão de Kátia Pacheco do Departamento de Agricultura e Meio Ambiente é notório o desgaste da gestão municipal.

“(A saída de Pacheco) seja coincidência ou conflito interno, sinaliza que diante da pressão popular a prefeitura está tentando se articular para não arcar com as possíveis consequências que decorrerá caso a usina seja implantada, ou ainda, percebendo a derrota, tenta sair de cena menos desacreditada e com a imagem menos desgastada diante de uma vitória dos movimentos sociais”, escreveu na última terça-feira o site Frequência Caiçara Mídia Livre.

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