O que é Moeda Social? É legal? Veja como funciona

Foto: Reprodução

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Nós usamos correntemente o sistema monetário sem, no entanto, pensar muito a respeito.

Você já se perguntou porque usamos o real como moeda? Nem todo mundo sabe, mas existem moedas locais, também chamadas de sociais ou alternativas, que circulam em pequenas comunidades com o objetivo de aquecer a economia local.

Hoje vamos falar um pouco mais sobre funcionamento dessas moedas sociais e seus benefícios econômicos de um modo geral. 

A moeda social surge na economia solidária como alternativa ao escambo, e possui características próprias. É considerada um instrumento de desenvolvimento local, destinada a beneficiar o mercado de trabalho dos grupos que participam da economia da localidade. Seu uso é restrito, e a sua circulação beneficia a redistribuição dos recursos na esfera da própria comunidade .

 

Como Surgiu a Moeda Social?

Antes de existir o dinheiro, os seres humanos faziam transações comerciais por meio de trocas. Assim, alguém poderia ir ao mercado ou feira e trocar o feijão que eu cultivou no próprio terreno pela lã produzida pelo vizinho, por exemplo. Com o passar do tempo essas relações de escambo foram se tornando muito mais complexas, levando à criação da moeda  como intermediária nas transações. Atualmente, o dinheiro extrapola, e muito, essa função inicial, mas as moedas sociais são como um retorno à origem da moeda.

Parece dinheiro de mentira, mas essas notas têm muito valor!

Normalmente, as moedas sociais surgem em comunidades pequenas que percebem que o dinheiro não está circulando dentro da própria comunidade. Pense no seguinte exemplo: no seu bairro existem mercados, padarias, depósitos de materiais de construção e outros comércios pertencentes a pessoas da própria região. Porém, a maioria das pessoas prefere comprar em grandes centros, onde as grandes empresas oferecem preços mais competitivos. O que vai acontecer com o comércio local? Provavelmente vai deixar de existir.

É nesse contexto que surgem as moedas sociais. Com aceitação somente dentro da comunidade, elas estimulam a economia local por meio de acordos e promoções. O dono do mercadinho do bairro passa a aceitar a moeda social, dando descontos aos compradores que utilizam a forma de pagamento.

A redução nos preços atrai usuários, que trocam parte do salário recebido em reais pela moeda local. Por incrível que pareça, essa pequena mudança é capaz de trazer grandes transformações para a comunidade, aquecendo uma economia local que tendia ao desaparecimento.

Como Funciona a Moeda Social?

A moeda social acaba por se tornar muito mais que um meio de pagamento. Ela é uma forma de identidade comunitária, uma vez que todo o funcionamento da moeda é definido pela própria comunidade. Para entender melhor sobre como funciona a moeda local, vale a pena ver o programa exibido sobre o assunto na TV Justiça:

O vídeo é um pouco longo, mas esclarece várias questões em relação ao tema. As moedas sociais geralmente são emitidas por bancos comunitários. Essas instituições ficam responsáveis por realizar o câmbio da moeda local em reais, possibilitando que o consumidor troque seu dinheiro por notas alternativas e que o vendedor depois troque essas notas por reais. Não há um valor diferente para as moedas sociais: 1 capivari, por exemplo, equivale a 1 real, facilitando o entendimento das transações.

Os clubes de troca também são responsáveis pela criação e emissão de moedas alternativas. Nesses casos, o dinheiro é usado em feiras que se destinam à troca de mercadorias. Muitas dessas organizações possibilitam que compradores que não tenham produtos para trocar também participem. As transações são feitas com as moedas sociais específicas que podem ser adquiridas por meio do “escambo” ou no câmbio por reais.

A partir dessas informações, podemos notar que o funcionamento da moeda social não é independente do sistema monetário oficial. Na verdade, o dinheiro alternativo apenas cumpre funções complementares, em situações que o real nem sempre solucionar problemas como a inclusão social.

Moedas Sociais Brasileiras

É difícil contabilizar quantos grupos usam hoje as moedas sociais. Em alguns lugares, municípios inteiros aderiram ao novo sistema, mas às vezes o uso da moeda fica restrito a um bairro ou comunidade, como é o caso da Cidade de Deus. 

Moeda Sampaio

Na periferia da Zona Sul de São Paulo o sampaio é conhecido por quase todos os moradores. A inciativa surgiu em 2009, quando um banco comunitário foi criado no bairro Jardim Maria Sampaio, com o objetivo de emprestar dinheiro sem cobrança de juros ou necessidade de lucro.

A iniciativa foi feita em parceira com a  Secretaria Nacional de Economia Solidária, órgão pertencente ao Ministério do Trabalho, que forneceu capital inicial para os empréstimos. O dinheiro emprestado pelo banco é o sampaio, que tem aceitação somente nas comunidades da região. Os comerciantes garantem que a moeda paralela acabou com o “fiado”, estimulando a economia local.

Moeda Capivari

A simpática capivara foi o animal escolhido para estampar as notas do capivari. A moeda circula pela cidade de Silva Jardim, no Rio de Janeiro. Lá, o dinheiro alternativo é administrado pelo Banco Comunitário Capivari, como recursos da prefeitura municipal. A moeda social é usada na concessão de microcrédito e foi amplamente incorporada pelo comércio local. O banco comunitário funciona de modo bem alternativo.

Em vez de consultar o SPC ou Serasa, a análise de crédito leva em consideração a opinião dos vizinhos sobre o solicitante do empréstimo e os inadimplentes que agem de má fé têm o nome anunciado por um carro de som.

Moeda Gostoso

Na cidade de São Miguel do Gostoso, no interior do Rio Grande do Norte, as cédulas de gostoso são usadas como forma de bonificação aos trabalhadores. Em cada nota é impresso o modo de funcionamento do dinheiro paralelo: “Está totalmente proibida a troca ou negociação desta moeda social por dinheiro. Ela só poderá ser utilizada como meio de bonificação, na aquisição de mercadorias, por serviços, com comércio ou pessoas conveniadas ao Banco Solidário de Gostoso”.

A inciativa é fruto de um projeto criado pela UFBA e gerida pelo Banco Comunitário de Gostoso, que também oferece descomplicado para os moradores da cidade.

Moeda Palmas

No bairro Palmeiras, na periferia de Fortaleza, surgiu o primeiro banco comunitário do Brasil: o Banco Palmas. A ideia veio da constatação simples de que todo o dinheiro dos moradores da comunidade ia para outros lugares. Daí nasceu o banco, que desde 1998 empresta recursos a juros baixos para pessoas da localidade que querem abrir o próprio negócio. A iniciativa estimulou o comércio local, permitindo o crescimento do bairro.

Com o pequeno rendimento obtido com os empréstimos, o banco passou a oferecer crédito pessoal sem cobrança de juros para os moradores do Palmeiras. Para essa linha de crédito, é usada a moeda palmas, que tem aceitação no comércio local e dá desconto para quem a utiliza. Assim o dinheiro circula de uma ponta a outra, favorecendo o desenvolvimento do bairro e a melhoria na vida dos moradores.

Moeda CDD

Em 2011, após a pacificação da comunidade, a Cidade de Deus, comunidade localizada na Zona Oeste do Rio de Janeiro, ganhou um banco comunitário e uma moeda própria: o CDD. O funcionamento da moeda local é bem semelhante aos demais.

O banco comunitário busca estimular a economia interna da comunidade por meio da moeda social. As parcerias são estabelecidas com comerciantes da Cidade de Deus que esperam que os moradores gastem o que ganham na comunidade e não em outros lugares. Por isso, são oferecidos descontos e quem comprar com CDD participa de sorteios, tudo para aquecer a economia local através da solidariedade.

Moeda Social É Legal?

Sim. Porque se trata de uma moeda de troca, sem validade para especulação ou comércio de dinheiro. O sistema de troca funciona em harmonia com a legislação brasileira porque não traz prejuízos para os cofres públicos nem interfere no funcionamento dos bancos regulamentados pelo Bacen. Os bancos comunitários, principais responsáveis pela emissão da moeda social, não podem ser vistos como agentes financeiros, porque eles não visam lucro.

Toda a base dessas moedas está na economia solidária, ou seja, no apoio mútuo e na cooperação entre os membros de um grupo ou comunidade. Segundo Paul Singer, especialista em economia solidária:

“A economia solidária está se difundindo no mundo inteiro. Se quebrarmos o isolamento que existe entre os próprios pobres, e fazermos eles crescerem e se amar, vão deixar de ser pobres. O poder público tem que incentivar e dar recursos, mas o segredo é o pobre se resgatar”.

Com a fala, podemos concluir que as moedas sociais não vão de encontro à economia vigente, mas sim proporcionam a inclusão de pessoas que costumam ficar de fora do sistema econômico. Assim, é possível dizer que a moeda local é legal tanto no sentido jurídico quanto no uso mais corriqueiro da palavra.

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