A recém lançada pesquisa ‘Publicidade infantil em tempos de convergência’, realizada por meio de uma parceria da Universidade Federal do Ceará (UFC), com o Instituto de Cultura e Arte e o Grupo de Pesquisa da Relação Infância, Juventude e Mídia (Grim), ouviu crianças de todo o país para saber o que pensam sobre a publicidade comercial que lhes é dirigida.
O estudo compreendeu dez grupos focais com crianças de nove a 11 anos de idade, em áreas urbanas de todas as 5 regiões do país, nas capitais São Paulo, Fortaleza, Brasília, Rio Branco e Porto Alegre, no mês de dezembro de 2014. Também colheu informações dos pais ou responsáveis pelas crianças participantes, que responderam a um questionário sobre o tema.
Seu extenso e muitíssimo bem elaborado relatório está dividido em capítulos que objetivam contribuir para a discussão sobre o impacto da publicidade voltada às crianças trazendo dados relativos à percepção dos pequenos quanto à “compreensão da natureza da publicidade, à apreciação das estratégias de persuasão nela contidas e aos possíveis impactos desse tipo de comunicação em sua formação e em seu bem-estar”.
São muitos os dados e os enfoques apresentados em uma temática que é de alta complexidade, mas um é especialmente perturbador. Diz respeito aos sentimentos mencionados pelas crianças decorrentes da publicidade que reconhecem e que as está rodeando.
São relatos dos sentimentos mencionados pelas crianças diante da negativa de seus pais ou responsáveis para comprar algo que lhes foi anunciado.
Reveladores de um nível de insatisfação extremo, mostram a nítida relação entre o direcionamento das mensagens comerciais aos pequenos e a cultura da violência. Dizem as crianças: “dá vontade de ficar um mês sem falar com a minha mãe”; “eu tenho até vontade de ir embora e nunca mais voltar para casa”; “bravo, não, fico triste”; “eu fico com uma ira”; “às vezes dá vontade de esganar os pais”.
O mesmo ocorre acerca dos sentimentos mencionados pelas crianças participantes em relação a seus amigos, verificando-se, daí, o quanto a publicidade que fala com as crianças e seu “discurso desleal que associa posse e pertencimento é cruel” e pode acarretar sérias consequências sociais. Um testemunho resume o sentimento de desconforto causado pela exclusão: “Com vontade de roubar dele”.
A conclusão da pesquisa, nesse sentido, é contundente: “O consumo, portanto, vai além do fator mercadológico, possui um papel classificatório, promovendo inclusão e exclusão de indivíduos em determinadas categorias e grupos sociais. Essa característica pode ser ainda mais perversa para crianças da faixa etária deste estudo (9 a 11 anos), que se encontram numa fase de afirmação de quem são e a que grupos pertencem.”
Não que não imaginássemos ou mesmo soubéssemos disso ainda mais depois de tantos anos pesquisando o tema da publicidade voltada às crianças e as suas consequências. Mas ouvir delas, elas próprias dizerem, faz com que tais depoimentos sejam a maior e a mais triste denúncia recebida nesses 10 anos de projeto Criança e Consumo do Instituto Alana.
E certamente, é essa voz que nos dá ainda mais força para seguirmos em frente, para que a prioridade absoluta prevista no artigo 227 da Constituição Federal seja cumprida e as crianças libertas da ideologia consumista propagada nas publicidades comerciais hoje, no país, onipresentes nas suas vidas.