Mulheres na rua: 10 respostas contra a cultura do estupro

Foto: Reprodução

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As mulheres estão nas ruas para protestar contra a cultura do estupro. Nesta quarta-feira (1º), em São Paulo, elas se reuniram em um grande ato na avenida Paulista, que caminhou por ruas centrais da cidade.

Em determinado momento da manifestação, entoaram juntas uma contagem de 1 a 33.

Foi uma referência, em tom de protesto, ao número de homens que participaram, em maio, de um estupro coletivo no Rio, de acordo com o relato da vítima, uma adolescente de 16 anos.

O peso simbólico da história levou muitas meninas da linha de frente da manifestação ao choro. Gritavam enquanto limpavam as lágrimas, braços dados com outras mulheres e cartazes nas mãos.

Jovens, crianças e senhoras participaram da manifestação em São Paulo

O ato se coloca como resultado de uma organização social que vem tomando forma desde outubro de 2015. No movimento, batizado de Primavera Feminista, milhares de mulheres tomaram as ruas de capitais para se manifestar contra um projeto de lei do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que dificulta o acesso ao aborto em caso de estupro.

A manifestação da quarta-feira também reuniu milhares de mulheres em várias cidades, motivadas inicialmente pelo crime do Rio, mas tomadas pela necessidade de enfrentar (e também explicar) a cultura do estupro e o machismo da sociedade brasileira.

Mulheres se reuniram na av: Paulista, em SP, para protestar contra a cultura do estupro

As reclamações das manifestantes mostraram pontos em comum: o cansaço perante as pequenas agressões sexistas do dia-a-dia, a indignação diante da impossibilidade de tomar decisões sobre o próprio corpo e a falta de representação política feminina no governo – o presidente interino Michel Temer não nomeou mulheres para o seu ministério.

Nexo fez cinco perguntas para manifestantes de quarta-feira em São Paulo. Aqui estão dez respostas, de dez mulheres com idades, cores e histórias de vida diferentes. Unidas, elas ajudam a construir uma narrativa que dá a dimensão de um problema que, finalmente, passa a ser enfrentado abertamente no país.

Por que você está aqui hoje?

Roberta Bencini – 43 anos, jornalista

“Eu tenho uma filha e dois filhos e acho que a gente tem que mudar a situação do machismo e toda a situação da violência contra a mulher. No parto, eu ouvi uma mulher falando pra mim ‘na hora lá você gritou assim?’. Isso é uma fala muito comum. Todas as mulheres que eu conheço já sofreram algum tipo de assédio violento, todas. E desde a idade da minha filha, aos 10 anos. Eu não quero esse país, não quero ter medo que a minha filha saia na rua. Eu quero que ela volte a hora que quiser, que ela namore quem quiser, que ela tenha filhos se quiser. Quero que ela tenha direito a escolher, e hoje nós não temos direito a escolha. É isso que eu quero que mude.”

Crisleine Borges – 19 anos, estudante

“Pelo fim da cultura do estupro e pela emancipação das mulheres.”

O que fez você se reconhecer como feminista?

Luciana Cândido de Lima – 38 anos, produtora teatral

“Foi uma construção. Não é fácil admitir certas coisas que vêm da sua criação, do seu pai, da sua mãe, da sociedade. Para desconstruir isso, é uma caminhada longa. E você vai percebendo, e uma hora se dá conta do que acontece com as mulheres [o machismo].”

Margarida Martins – 63 anos, professora

“Sou feminista desde sempre. Minha mãe já era feminista; foi minha primeira preocupação política na vida, o feminismo. E ele é importante porque sou mulher, [e o machismo] é uma injustiça que atinge mais da metade da população do mundo. Em qualquer situação de opressão, as mulheres estão sempre piores que os homens. Me parece muita hipocrisia por parte de alguns homens preocuparem-se com as questões operárias, quando as mulheres operárias estão sempre em piores condições que eles. Em qualquer setor social, as mulheres estão sempre piores que o homem.”

Como você explicaria o termo cultura do estupro para alguém que nunca ouviu falar do conceito?

Lilian Lubochinski – 67 anos, arquiteta e urbanista

“É uma cultura que percebe o corpo da mulher como um objeto, que poder ser usado ao bel prazer. [É como se não tivesse] um ser humano ali inteiro, sentindo. E é uma cultura que faz isso. É só a gente levantar o olho para ver que as publicidades todas estão construindo essa cultura. E isso basta, já deu. E tem o machismo, o lado complementar. O machismo se intensifica e radicaliza em um momento que fica debilitado. E isso está acontecendo agora. E eu não estou falando de homens, eu estou falando de machismo.”

Juliana Feliciano – 33 anos, socióloga

“A cultura do estupro é muito sutil. Está na propaganda, no modo como certos discursos dos nossos amigos, dos nossos pais incentivam os filhos a não olhar a mulher como igual. Está nas sutilezas, não está só na coisa escancarada.”

Em que momento algum aspecto da cultura do estupro já se manifestou na sua vida?

Luciene Coelho – 15 anos, artista

“Minha mãe não me deixa usar nada que mostre meu corpo, como shorts, porque é ‘muito revelador’. Meu pai não me deixava andar de saia curta. Desde pequena, foi uma coisa do tipo ‘a mulher precisa se vestir adequadamente senão os homens vão fazer algo com ela’, ‘você tem que ter medo de homens porque eles vão ver suas pernas e vão querer algo com você’. Sempre foi uma coisa bem presente e é até hoje.”

Kelly Quintiliano – 40 anos, funcionária pública

“Eu fiz direito e pós graduação em direito público. Na graduação e na pós, minha matéria foi ‘políticas públicas de gênero contra violência doméstica’, então eu vi muitas casos de perto. E eu entendo que o direito tem um papel importante na desconstrução do machismo, justamente porque foi responsável por várias situações machistas. A definição de mulher como objeto, os papéis da mulher na sociedade, essas coisas foram legitimadas pelo direito. Então o direito tem obrigação de rever esse papel social.”

Por que você acha que há resistência contra os conceitos e o uso do termo ‘feminista’?

Renata Zboril – 24 anos, diretora de arte

“O termo ‘feminismo’ remete a ‘fêmea’, o que pode dar a entender que só mulheres podem ser feministas – e não a sociedade.”

Margot Ribas – 60 anos, militante

“Porque todas as lutas e movimentos sociais são descreditados. Então parece que é uma luta ilegítima, violenta. E é exatamente o oposto: o feminismo quer a igualdade entre homens, mulheres, crianças. O feminismo é amor, em contraponto ao ódio. Somos antípodas ao mundo patriarcal, um mundo que não é um mundo de dominação da mulher, mas um mundo igualitário pros dois.”

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