As mulheres no Egito estão determinadas a quebrar o muro de silêncio que cerca o abuso sexual. Seu novo alvo é o estupro conjugal, um assunto que até recentemente era tabu no país.
Atenção: esta reportagem contém descrição de episódios de violência sexual
Safaa, 34, foi estuprada pelo marido na noite de núpcias. O ataque causou ferimentos em sua virilha, seu pulso e sua boca.
“Fiquei menstruada e não estava pronta para fazer sexo naquela noite”, diz ela. “Meu marido achou que estava tentando evitar uma relação íntima com ele. Ele me espancou, me algemou, cobriu minha boca e me estuprou”.
Apesar de tudo, ela não quis denunciar o marido à polícia por medo do estigma social que poderia se abater sobre ela. Na sociedade patriarcal egípcia prevalece uma cultura de culpar a vítima, especialmente quando se trata de uma mulher.
Em seu estudo mais recente, publicado em janeiro de 2015, o Conselho Nacional de Mulheres, órgão oficial egípcio, afirmou que a cada ano ocorrem 6,5 mil casos de violência doméstica com estupro conjugal, assédio sexual e práticas sexuais forçadas.
“O estupro marital é culpa de uma cultura comum no Egito, que um contrato marital implica que a mulher está disponível para sexo 24 horas por dia”, diz Reda Danbouki, advogada e diretora executiva do Centro de Aconselhamento e Informação Legal para Mulheres.
A crença geral no Egito, com base em algumas interpretações religiosas, é que uma mulher que se recusa a fazer sexo com seu marido é uma “pecadora” e “os anjos a amaldiçoam a noite toda”, acrescenta Danbouki.
Leia mais:
Quem é Mia Khalifa, ex-atriz pornô citada na CPI que ‘se ofereceu’ para ajudar o Brasil
Para resolver o debate, o Dar al Ifta, um órgão islâmico oficial que emite éditos religiosos, determinou que “se o marido usar de violência para forçar sua esposa a dormir com ele, ele é legalmente um pecador e a esposa tem o direito de protestar perante o tribunais para que ele seja punido.”
Mesmo assim, o centro dirigido por Danbouki documentou mais de 200 casos de violência conjugal nos últimos dois anos, a maioria deles consequência do que foi apelidado de “medo da primeira noite”.
A lei egípcia não pune o estupro dentro do casamento, apesar de ele ser classificado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma forma de violência sexual.
A maioria dos casos de estupro conjugal nunca vai a tribunal, e o Artigo 60 do Código Penal Egípcio geralmente impede que os processos prossigam.
“As disposições do Código Penal não se aplicam a qualquer ato cometido de boa fé na busca de um direito sob a sharia (lei islâmica) estabelece em seu artigo 60”.
Mas Danbouki diz que estupros conjugais podem ser comprovados por exames físicos que revelam escoriações e outras lesões externas. “Devem ser procuradas feridas na boca e nos pulsos”, diz a especialista.
O Egito conservador costuma resistir a mudanças e os valores tradicionais predominam, mas as vítimas de estupro conjugal começaram a se fazer ouvir.
Os nomes reais de Safaa e Sanaa foram alterados para proteger suas identidades.