Para que todos fiquem em casa, países resistem à covid dando dinheiro para empresas e cidadãos
Oito casos confirmados de covid-19 e outros dois suspeitos. Era essa a situação da Nova Zelândia quando Grant Robertson, ministro da Economia, anunciou um pacote de ajuda financeira às empresas e aos trabalhadores afetados pela pandemia do novo coronavírus. Seis dias e 100 casos confirmados depois, no final de março de 2020, a primeira-ministra Jacinda Ardern convocou a imprensa para decretar lockdown no país todo. Até hoje, apenas 26 pessoas morreram de covid na Nova Zelândia.
Outras nações tomaram caminhos semelhantes, sempre com os chefes de Estado à frente de medidas para conter o avanço da pandemia. Por aqui, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), apesar do atual índice de mortalidade móvel acima dos 2 mil mortos diariamente, ainda se recusa a adotar medidas mais restritivas.
Sobrou aos governadores o papel de liderar as decisões, seja nas medidas de isolamento ou nos programas de vacinação. “Em uma crise sanitária dessa magnitude, o que se imagina é um governo central ou federal liderando o enfrentamento da forma mais ampla possível”, explica o cientista político Marcello Baird, professor de relações internacionais da ESPM. “O que aconteceu aqui foi uma descentralização de resposta à pandemia, não à toa alguns tiveram menos ou mais capacidade de se organizarem, isso explica a necessidade de liderança de um governo central”.
Não fossem as decisões tomadas na contramão do cenário internacional, o Brasil poderia ter controlado melhor a pandemia e evitado a perda de milhares de vidas.
Em 14 anos como chanceler da Alemanha, país mais populoso da União Europeia, Angela Merkel nunca havia feito um pronunciamento oficial na TV. Em março do ano passado, com as fábricas, lojas, shoppings, restaurantes, escritórios e bares fechados, Merkel o fez pela primeira vez para alertar os alemães sobre a necessidade do confinamento. Mais de 30 milhões de pessoas assistiram à fala.
Durante os primeiros meses desde a chegada da pandemia no Uruguai, o recém-empossado presidente do país, Luis Alberto Lacalle, fez coletivas de imprensa diárias para falar sobre os números da pandemia no país e reforçar a importância de manter um confinamento voluntário. “Lacalle teve um papel importante não apenas no gerenciamento da pandemia, como também na disseminação de informações. Sempre orientava sobre o uso de máscaras, distanciamento social”, conta Eduardo Bottinelli, sociólogo da Universidad de la República, no Uruguai. Àquela altura, apenas os serviços essenciais funcionavam no país.
Na Nova Zelândia, com o lockdown decretado, Jacinda Ardern também conversava diariamente com a imprensa. “O mais importante foi a clareza na comunicação da primeira ministra e do ministro da saúde: ela deu coletivas todos os dias, seguidas por longas sessões de perguntas e respostas com jornalistas”, diz Richard Saw, professor de política na Universidade Massey. “Esse fornecimento de informações claras e precisas foi fundamental para nossa resposta.”
De nada adiantaria pedir a colaboração das pessoas para ficar em casa, se o dinheiro começasse a faltar. Na Alemanha não houve muito drama. O país já fornece uma série de auxílios à população, entre eles um aporte de segurança social no valor de 400 euros por mês (cerca de 2676,23). “Na prática ninguém vive só com isso, porque há outros auxílios, como o de moradia. São pontos estabelecidos dentro do estado de bem-estar social: ninguém pode ser obrigado a viver com menos que isso, nem se fosse considerado culpado pela sua própria desgraça”, conta o sociólogo Sérgio Costa, da Freie Universität, em Berlim.
Ainda assim, na urgência da pandemia, o governo alemão liberou uma verba extra aos trabalhadores autônomos ou pequenos empresários. Qualquer cidadão com um CNPJ pode se cadastrar e receber um valor de 5 mil a 15 mil euros (algo entre R$ 33.452,91 e R$ 100. 358,73) para sobreviver aos primeiros meses de incertezas da pandemia. No segundo semestre de 2020, pais e mães, que tiveram de cuidar dos filhos durante o fechamento das creches e escolas, receberam um adicional de 300 euros (ou R$ 2.007,17) por criança — o governo já paga mensalmente 192 euros, no mínimo, por cada filho.
A Nova Zelândia organizou a distribuição de auxílios e hoje há uma plataforma online para avaliar a situação de cada família. Num teste hipotético rápido, uma pessoa desempregada, casada com alguém mal remunerado, vivendo numa região de classe média, com dois filhos pequenos, receberia cerca de 60 dólares neozelandeses por semana do governo (cerca de R$ 242,59) .
Outros lugares encontraram soluções diferentes, de acordo com suas condições financeiras, para amenizar os problemas do confinamento. No Vietnã, um dos 15 países mais populosos do mundo, o Estado rastreou e monitorou pacientes com covid-19 e realizou testagem em massa, e chegou a zerar os casos no país. Lá, a ajuda aos mais vulneráveis ficou na casa dos 76 dólares (R$ 424,44) por semana.
Regiões com altos índices de contágio entraram logo em quarentena. Hanói teve uma de suas ruas totalmente confinadas – e, segundo entrevista de uma vendedora vietnamita ao jornal “O Globo”, o governo levou diariamente comida aos 800 moradores dali.
No Brasil, após pressão do Congresso Nacional, o governo aprovou um auxílio emergencial no começo de abril de 2020. E chegou com atraso: os R$ 600 só passaram a ser distribuídos no final daquele mês. Após alguns meses, as parcelas foram reduzidas para R$ 300 até dezembro. Desde janeiro, não há auxílio emergencial. O Congresso já aprovou um novo auxílio, com valor reduzido (de R$ 175 a R$ 375), por mais quatro meses.
Empresas fechadas, receitas reduzidas, empregados demitidos, crise generalizada. Naquele início da pandemia, o pacote anunciado pelo ministro da economia da Nova Zelândia era de 12,1 bilhões de dólares neozelandeses. Os subsídios salariais variavam entre NZ$ 350 (R$ 1.415,97) e NZ$ 585 (R$ 2.366,69) por semana, com um teto de até NZ$ 15 mil, e validade até o final de junho. Se alguém ficasse doente e impossibilitado de trabalhar, ou tivesse de cuidar de algum parente, o Estado também fornecia o auxílio.
No Vietnã, país com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) consideravelmente menor que o Brasil, o governo também disponibilizou subsídios salariais que variavam de 33 a 77 dólares por semana, por três meses.
No Uruguai, nosso pequeno vizinho aqui na América do Sul, a solução foi permitir às empresas um tipo de “demissão temporária”, sem a extinção dos contratos. Esses funcionários entraram no programa de seguro-desemprego, recebendo do Estado cerca de 50% do salário, por até quatro meses, para depois serem recontratados.
“Em alguns setores de atividade, esse período foi estendido para seis ou oito meses”, explica Bottinelli. Além disso, o governo criou o “seguro-desemprego parcial”. Funciona assim: a pessoa trabalha por meio período, com redução de 25% no salário; estado e empresa dividem em meio a meio os custos do empregado. Concedeu ainda linhas de crédito a juros baixos e possibilitou o parcelamento de impostos, sem taxa extra.
Nossos hermanos uruguaios não registraram cenas que ainda vemos em ônibus, trens e metrôs daqui: um amontoado de trabalhadores sem qualquer chance de manter uma distância segura. Por lá, o Ministério dos Transportes e Obras Públicas adotou duas medidas: exigência de dobrar a frequência do transporte público em horários de pico, durante a semana, e redução de 50% da frota aos finais de semana. O uso de máscaras é obrigatório.
Nas piores épocas do coronavírus, no começo do ano passado e de novembro de 2020 a março de 2021, a Alemanha impôs regras sobre o uso de transporte público. Viajar de um lugar para outro em ônibus, sem um motivo relevante, é proibido e o uso de máscara é obrigatório. Embora o uso de transporte público tenha caído de 70 a 90% no país, o governo obrigou as empresas a manter o número de linhas e frota para evitar aglomerações.
O primeiro-ministro do Vietnã, Nguyen Xuan Phuc, tomou medidas bem mais severas: ordenou a suspensão do transporte público durante o período de lockdown e incentivou o uso de veículos particulares.
O apelo inédito de Merkel devido ao coronavírus
Chanceler alemã fez pronunciamento extraordinário pela primeira vez em 15 anos de governo
No Brasil, o governo alerta que a prorrogação do auxílio emergencial, ainda que com valores menores, causará um rombo nas contas públicas e posterior redução nos investimentos em outros áreas, como educação. Em países como Alemanha, marcado pela rigidez fiscal, o pensamento era só um: não é hora de economizar, o Estado precisa proteger a população. “Não há, na Alemanha, nenhum ator importante na sociedade que pensa que alguém pode viver desprotegido, relegado à própria sorte”, explica o professor Sérgio Costa.
Ainda que o endividamento cresça, como prevê a Alemanha, outros países encontraram maneiras, sem deixar outros investimentos de lado, para aumentar a receita. Funcionários públicos uruguaios com salários superiores a 120 mil pesos uruguaios (cerca de R$ 15 mil) passaram a pagar um imposto do coronavírus. É uma taxa progressiva, que varia de acordo com a remuneração, referente a 5% ou 20% dos rendimentos. Presidente, vice-presidente e ministros deram a contribuição máxima. Esses recursos se somaram a um empréstimo tomado pelo país junto ao Banco Mundial e foram usados para bancar os pagamentos de seguro-desemprego, as concessões de crédito às empresas e, principalmente, para investir nos setores de saúde do país.
Por aqui nenhuma medida como essa foi tomada – ainda que alguns políticos tenham incentivado a suspensão de alguns benefícios de deputados e senadores. Mas há de onde tirar dinheiro, sem prejudicar outras áreas, e agilizar programas voltados para o controle da pandemia – como agilizar o ainda lento programa de vacinação.
“Tem várias possibilidades. Só de incentivos fiscais são R$ 300 bilhões por ano, o que equivale a 20% do orçamento do governo federal. Então existem maneiras de conseguir esses recursos de forma emergencial. Para além disso, há as propostas de taxação dos mais ricos”, defende Baird.
A esperança numa melhora na gestão da pandemia é a pressão sobre Bolsonaro: “quando sofre pressão, ele às vezes dá um passo atrás. O Congresso pressionou o ministro da saúde sobre a vacinação e isso provocou mudanças. O discurso do Lula também provocou mudanças nas atitudes do governo”, diz Baird.
Carol Castro Colaboração para Ecoa, do Rio de Janeiro – RJ