Às vezes, quando me pergunto por que fiz determinada escolha, percebo que, na verdade, eu não sei. Até que ponto somos regidos por coisas das quais não temos consciência? — Paul, 43 anos, Londres.
Por que você comprou um carro? Por que você se apaixonou pelo seu parceiro?
Quando começamos a analisar a base de nossas escolhas de vida, sejam elas importantes ou bastante triviais, podemos chegar à conclusão de que não fazemos muita ideia.
Podemos até mesmo nos perguntar se realmente conhecemos nossa própria mente e o que se passa nela fora da nossa percepção consciente.
Felizmente, a ciência da psicologia nos oferece insights importantes e talvez surpreendentes. Uma das descobertas mais importantes vem do psicólogo americano Benjamin Libet (1916-2007) na década de 1980.
Ele concebeu um experimento que era aparentemente simples, mas gerou um enorme debate desde então.
Os participantes foram convidados a se sentar de maneira relaxada em frente a um relógio adaptado. No mostrador do relógio, havia uma pequena luz girando em torno dele.
Tudo o que os participantes tinham que fazer era flexionar o dedo sempre que sentissem vontade de fazer isso e lembrar qual era a posição da luz no mostrador do relógio neste momento.
Ao mesmo tempo em que tudo isso acontecia, a atividade cerebral dos participantes era registrada por meio de um eletroencefalograma (EEG), que detecta níveis de atividade elétrica no cérebro.
O que Libet conseguiu mostrar foi que o tempo fornece uma pista importante sobre se o inconsciente desempenha ou não um papel significativo no que fazemos.
Ele mostrou que a atividade elétrica no cérebro se desenvolvia muito antes de as pessoas conscientemente terem a intenção de flexionar o dedo e o flexionarem.
Em outras palavras, os mecanismos inconscientes, por meio da preparação da atividade neural, nos preparam para qualquer ação que decidamos realizar.
Mas tudo isso acontece antes de termos conscientemente a intenção de fazer algo. Nosso inconsciente parece reger todas as ações que realizamos.
No entanto, à medida que a ciência avança, somos capazes de rever e aprimorar o que sabemos.
Agora sabemos que há vários problemas fundamentais com as configurações do experimento que sugerem que as alegações de que nosso inconsciente rege fundamentalmente nosso comportamento são significativamente exageradas.
Por exemplo, ao corrigir os vieses nas estimativas subjetivas da intenção consciente, a lacuna de tempo entre as intenções conscientes e a atividade cerebral é reduzida.
No entanto, as descobertas originais ainda são valiosas, mesmo que não possam ser usadas para afirmar que nosso inconsciente rege completamente nosso comportamento.
Outra forma de avaliar se somos, em última análise, governados por nosso inconsciente é analisar as situações em que podemos esperar que ocorra a manipulação inconsciente.
Na minha pesquisa, perguntei às pessoas que situações seriam essas. O exemplo mais comum foi propaganda e marketing.
Pode não ser uma surpresa, visto que muitas vezes nos deparamos com termos como “propaganda subliminar”, que sugere que somos orientados a fazer escolhas de consumo de maneiras pelas quais não temos nenhum controle consciente.
James Vicary, que foi profissional de marketing e psicólogo na década de 1950, deu vida ao conceito.
Ele convenceu um dono de cinema a usar seu dispositivo para projetar mensagens durante a exibição de um filme.
Mensagens como “beba Coca-Cola” apareciam por frações de segundo — e ele alegou que as vendas da bebida dispararam depois que o filme acabou.
Após um grande furor a respeito da ética desta descoberta, Vicary contou a verdade e admitiu que tudo era uma farsa — ele havia inventado os dados.
Na verdade, é notoriamente difícil mostrar em experimentos de laboratório que projetar palavras abaixo do limiar da percepção consciente pode nos induzir até mesmo a pressionar botões em um teclado que estão associados a esses estímulos, quanto mais nos manipular para mudarmos escolhas no mundo real.
O aspecto mais interessante em torno dessa polêmica é que as pessoas ainda acreditam, como tem sido demonstrado em estudos recentes, que métodos como a propaganda subliminar estão em uso, quando, na verdade, existe uma legislação que nos protege dela.
Mas tomamos decisões sem pensar conscientemente?
Para descobrir, os pesquisadores investigam três áreas: até que ponto nossas escolhas são baseadas em processos inconscientes, se esses processos inconscientes são fundamentalmente enviesados (por exemplo, sexistas ou racistas) e o que, se houver algo, pode ser feito para melhorar nossa tomada de decisão enviesada a e inconsciente.
Para o primeiro ponto, um estudo analisou se as melhores escolhas feitas em ambientes de consumo eram baseadas ou não no pensamento ativo.
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A descoberta surpreendente foi que as pessoas fazem escolhas melhores quando não pensam, especialmente em ambientes de consumo complexos.
Os pesquisadores argumentaram que isso acontece porque nossos processos inconscientes são menos limitados do que os processos conscientes, que demandam muito do nosso sistema cognitivo.
Os processos inconscientes, como a intuição, funcionam de maneira que sintetizam automática e rapidamente uma variedade de informações complexas, e isso oferece uma vantagem sobre o pensamento deliberado.
Assim como o estudo de Libet, esta pesquisa despertou grande interesse.
Infelizmente, as tentativas de replicar essas descobertas foram extremamente difíceis, não apenas nos contextos originais de consumo, como também em áreas em que se considera que haja uma ampla utilização de processos inconscientes: na detecção de mentiras, em decisões médicas e decisões românticas arriscadas.
Dito isso, é claro que existem fatores que podem influenciar nossas decisões e direcionar nosso pensamento aos quais nem sempre prestamos muita atenção, como emoções, humor, cansaço, fome, estresse e crenças existentes.
Mas isso não significa que somos regidos por nosso inconsciente — é possível ter consciência desses fatores.
Às vezes, podemos até neutralizá-los colocando os sistemas certos em funcionamento ou aceitando que contribuem para o nosso comportamento.
Mas e quanto ao viés na tomada de decisão?
Um estudo mostrou que, por meio do uso de uma técnica agora amplamente utilizada, chamada teste de associação implícita (IAT, na sigla em inglês), as pessoas nutrem atitudes inconscientes e enviesadas em relação a outras pessoas (como discriminação racial ou de gênero).
Também sugeriu que essas atitudes podem, na verdade, motivar decisões enviesadas, como em questões de trabalho, jurídicas, médicas e que afetam a vida de outros.
No entanto, ao analisar mais de perto pesquisas sobre o tema, há dois problemas críticos com o teste de IAT.
Em primeiro lugar, se você observar as pontuações de um indivíduo no teste de IAT, e pedir para ele repetir o teste, os dois resultados não coincidem de forma consistente — isso é conhecido como confiabilidade teste-reteste limitada.
Além disso, foi demonstrado que os resultados do teste de IAT são um indicador frágil do comportamento real de tomada de decisão, o que significa que o teste tem baixa validade.
Também há esforços para tentar melhorar a maneira como tomamos decisões em nossa vida cotidiana (como alimentação saudável ou economizar para a aposentadoria), na qual nossos processos inconscientes enviesados podem limitar nossa capacidade de fazer isso.
Neste sentido, o trabalho de Richard Thaler, ganhador do prêmio Nobel de economia, e Cass Sunstein foi revolucionário.
A ideia básica por trás do trabalho deles vem do cientista cognitivo Daniel Kahneman, outro ganhador do Prêmio Nobel, que argumentou que decisões precipitadas são motivadas principalmente de maneira inconsciente.
Para ajudar a melhorar a forma como tomamos decisões, dizem Thaler e Sunstein, é preciso redirecionar processos inconscientemente enviesados na direção da melhor decisão.
A maneira de fazer isso é dando um “empurrão” suave nas pessoas para que possam detectar automaticamente qual opção é a melhor a escolher.
Por exemplo, você pode tornar os doces menos acessíveis em um supermercado do que as frutas.
Esta pesquisa foi adotada globalmente por muitas instituições públicas e privadas.
Um estudo recente da minha própria equipe mostra que as técnicas do “empurrão” muitas vezes falham consideravelmente. E também saem pela culatra, levando a resultados piores do que se não fossem usadas.
Há várias razões para isso, como aplicar o “empurrão” errado ou entender mal o contexto. Parece que é necessário mais para mudar o comportamento do que dar um empurrãozinho.
Dito isso, os defensores do “empurrão” nos levam a acreditar que somos mais facilmente influenciados do que pensamos — e do que realmente somos.
Um aspecto fundamental de nossas experiências psicológicas é a crença de que somos os agentes de mudança, seja em circunstâncias pessoais (como ter uma família) ou externas (como as mudanças climáticas antropogênicas).
No geral, preferimos aceitar que temos liberdade de escolha em todos os tipos de contextos, mesmo quando percebemos que isso está sob a ameaça de mecanismos que nos manipulam inconscientemente.
No entanto, ainda acreditamos estrategicamente que temos menos diligência, controle e responsabilidade em determinadas áreas, com base no quanto elas nos são importantes.
Por exemplo, preferimos reivindicar controle e diligência conscientes sobre nosso voto político do que sobre o cereal matinal que estamos comprando.
Então, podemos argumentar que nossa escolha infeliz para o café da manhã se resumiu à propaganda subliminar. No entanto, estamos menos inclinados a aceitar que fomos manipulados a votar de uma determinada maneira pelo poder das empresas de rede social.
Descobertas científicas em psicologia que ganham manchetes sensacionalistas muitas vezes não ajudam porque contribuem com a ideia de que somos fundamentalmente regidos por nosso inconsciente.
Mas a evidência científica mais robusta indica que somos provavelmente mais governados pelo pensamento consciente do que pelo pensamento inconsciente.
Podemos ter a sensação de que nem sempre estamos totalmente cientes de por que fazemos o que fazemos.
Isso pode ser porque nem sempre estamos prestando atenção aos nossos pensamentos e motivações internas.
Mas isso não é equivalente ao nosso inconsciente reger todas as nossas decisões.
Embora eu ache que não, digamos que somos, na verdade, governados pelo inconsciente.
Neste caso, há uma vantagem em alimentar a crença de que temos mais controle consciente do que não.
Nas situações em que as coisas dão errado, acreditar que podemos aprender e mudar as coisas para melhor depende de aceitarmos um certo nível de controle e responsabilidade.
Nos casos em que as coisas dão certo, acreditar que podemos repetir ou aprimorar ainda mais nossas conquistas depende de aceitarmos que temos um papel a desempenhar nelas.
A alternativa é nos submeter à ideia de que forças aleatórias ou inconscientes ditam tudo o que fazemos e, no longo prazo, isso pode ser devastador mentalmente.
Então, por que você se apaixonou pelo seu parceiro?
Talvez ele tenha feito você se sentir forte ou segura, desafiada de alguma forma ou ele cheirava bem.
Como qualquer outra questão importante, ela é multifacetada e não há uma resposta única.
O que eu diria é que é improvável que seu “eu” consciente não tenha nada a ver com isso.
* Magda Osman é professora de psicologia experimental na Universidade Queen Mary em Londres, no Reino Unido.
Este artigo é parte da série Life’s Big Questions, do site de notícias acadêmicas The Conversation, que está sendo copublicada pela BBC Future. A série busca responder perguntas de leitores sobre a vida, o amor, a morte e o Universo.