29 de janeiro é o Dia Nacional da Visibilidade de Transexuais e Travestis. A data foi criada em 2004, na ocasião do lançamento de uma campanha nacional elaborada por lideranças do movimento de pessoas trans, em parceria com o Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde.
O evento de lançamento da campanha “Travesti e respeito: já está na hora dos dois serem vistos juntos. Em casa. Na boate. Na escola. No trabalho. Na vida” levou 27 pessoas trans aos salões do Congresso Nacional, em Brasília, conferindo à data um sentido político de luta pela igualdade, respeito e visibilidade de pessoas trans.
Desde então, entidades e ativistas de todo país saem às ruas ou ocupam espaços políticos no exercício da cidadania, em busca de superar o preconceito, a discriminação e a violência que afetam especificamente as pessoas trans – pessoas que não se identificam com o gênero que lhes foi designado ao nascer, e que ao longo da vida buscam adequar seu corpo e outros aspectos da vida ao gênero com o qual se identifica.
Segundo o grupo Transrevolução (RJ), a expectativa de vida de uma travesti ou transexual brasileira gira em torno dos 30 anos, enquanto a expectativa de vida da população média é 74,6 anos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Ainda de acordo com o mesmo grupo, o estigma atribuído a travestis e transexuais brasileiras resulta na ausência de oportunidades de trabalho, mantendo na faixa de 90% o índice de pessoas trans em um único segmento profissional, na informalidade e na maioria das vezes sem condições de acessar direitos trabalhistas e seguridade social – a prostituição.
Quanto ao reconhecimento legal das identidades pretendidas pelas pessoas trans, o Brasil ainda enfrenta o enorme desafio de superar conservadorismos e garantir às pessoas trans que vivam e sejam tratadas como elas se percebem. A Lei João W. Nery, ou a Lei de Identidade de Gênero, propõe a mudança do prenome e do gênero a pedido das pessoas que se identificam como trans, sem necessitar de cirurgia, hormonização, advogado ou laudo psiquiátrico.
Hoje, apenas no estado São Paulo, 3.200 pessoas estão inscritas em uma fila de espera para realizar a cirurgia de transgenitalização, ou seja, processos cirúrgicos que visam adequar o corpo da pessoa trans ao gênero de identificação – e que até o momento é um requisito para o ajuste da identidade nos documentos. Porém, a unidade que realiza este serviço na cidade realiza apenas uma cirurgia por mês, fazendo que a espera de alguém que se inscreva hoje seja de 266 anos para realizar esse procedimento cirúrgico pelo Sistema Único de Saúde/SUS. O Hospital Pedro Ernesto (HUPE), no Rio de Janeiro, que também realiza esse procedimento, está fechado para inclusão de novos pacientes desde 2012 e atende de forma precária.
É importante ressaltar que nem todas as pessoas trans desejam se submeter a processos cirúrgicos ou hormonais de transformação do corpo.
Conversamos com algumas lideranças do movimento de pessoas trans no Brasil sobre os principais desafios para alcançar o exercício pleno dos direitos, e sobre a importância de uma data para marcar a visibilidade trans neste processo.
Alessandra Ramos – Rio de Janeiro, RJ
A visibilidade é de suma importância para garantir os direitos de pessoas trans. Os altos índices de assassinatos, crimes de transfobia, analfabetismo, desemprego, além do preconceito e da invisibilidade institucionais sofridos por pessoas trans só acontecem em parte por conta da ignorância da sociedade a nosso respeito. Quanto mais visibilidade, mais chances teremos de criar mecanismos para reverter essa situação.
O maior desafio é com certeza o reconhecimento das identidades trans de fato e de direito, qual seja a aprovação de leis que permitam pessoas trans a ter reconhecidas suas identidades de gênero, como o projeto de lei João Nery. Esperamos que ele volte a tramitar na Câmara dos Deputados na atual legislatura. Esse reconhecimento terá o efeito simbólico de trazer as pessoas trans ao convívio social, seja pelos benefícios que trará, reduzindo o constrangimento e fazendo com que elas tenham transito mais livre. Além disso, o reconhecimento terá o efeito terapêutico de dizer que preconceito com pessoas trans não é legal, que essas pessoas existem e tem leis que protegem sua dignidade. Isso por si só tem um efeito social pedagógico.
Claro que não é assim que terminaremos com as mazelas sofridas pela comunidade trans, mas isso auxiliará em muito a abrir novos caminhos, uma teia de ações necessárias para que pessoas trans não sejam objeto da piedade de poucas ações promovidas pelo executivo, mas dignas de politicas públicas de Estado, duradouras e mais eficazes.
João W Nery – Rio de Janeiro, RJ
A visibilidade das pessoas trans não garante nada, mas com certeza uma maior visibilidade desvela as demandas deste segmento e revela quão precária é nossa situação em termos de cidadania. O grade desafio é a aprovação da PL 5002/13 – Lei de Identidade de Gênero ou Lei João W Nery -, que proporcionará a mudança do prenome e do gênero, sem necessitar de cirurgia, hormonização, advogado ou laudo psiquiátrico.
Luisa Stern – Porto Alegre, RS
A visibilidade é um elemento importante para que a sociedade saiba que a gente existe, que somos seres humanos iguais a qualquer outra pessoa, que temos os mesmos direitos e, ainda, que muitos desses direitos nos são negados exclusivamente em função da identidade de gênero de transexual ou travesti. Nosso principal desafio, hoje, é conquistar leis e políticas públicas que assegurem esses direitos que não temos. Principalmente a aprovação de uma Lei de Identidade de Gênero, mas também o combate ao preconceito, tanto pela educação e inserção social, quanto pela criminalização da transfobia (junto com a homo/lesbo/bifobia), para punir os casos mais extremos de discriminação.
Leonardo Tenório – Recife, PE
A visibilidade é importante para construirmos na sociedade a cultura de que nós existimos, sim, dentro da população brasileira e somos cidadãos como quaisquer outros, e com especificidades que precisam ser respeitadas. Outro lado importante da visibilidade é quebrar tabus, exotizações e produzir no imaginário social uma ideia de pessoas trans como pessoas comuns. Mostrar nosso lado humano e os problemas que nós passamos. Nossos principais desafios são bastante óbvios: aprovação da Lei João W. Nery, e enquanto não acontecer, a garantia do respeito ao nome social em todos os espaços, especialmente em serviços públicos; acesso ao processo transexualizador e a serviços específicos de saúde de forma humanizada; e ainda a despatologização das identidades trans, e criminalização da homo-transfobia.