Marcelo Cordeiro, Ulysses Guimarães e Mauro Benevides apresentam o modelo da Constituição que foi promulgada em 1988.*
A Constituição de 1988 é o texto-base que determina os direitos e os deveres dos entes políticos e dos cidadãos do nosso país. Foi escrita durante o processo de redemocratização do Brasil após o fim da Ditadura Militar, sendo conhecida por isso como Constituição Cidadã. Foi resultado de um amplo debate que se estendeu durante mais de um ano e simbolizou o início da Nova República.
Antecedentes
Os debates pela realização de uma nova constituição aconteciam em diversos grupos da oposição durante os anos finais da ditadura. Na década de 1970, quadros importantes da política brasileira já debatiam a questão, que também era abraçada por diversos intelectuais do país. Um exemplo muito conhecido aconteceu na Faculdade de Direito da USP quando Goffredo da Silva Teles leu um documento intitulado Carta aos brasileiros.
Esse documento havia sido escrito por advogados, intelectuais, políticos, estudantes, entre outros, e fazia uma defesa jurídica do Estado de Direito no Brasil. O documento atacava a Constituição outorgada pelos militares em 1967 e afirmava que uma Constituição somente era válida se fosse elaborada pelos representantes do povo em uma Assembleia Nacional Constituinte ou se elaborada durante um processo revolucionário legítimo.
Esse discurso em defesa da redemocratização e, consequentemente, da composição de uma Constituinte para a elaboração da nova Constituição foi ganhando força à medida que o regime militar se enfraquecia e conduzia a sua “redemocratização lenta e gradual”. Tanto que nos últimos governos (Geisel e Figueiredo) foram tomadas medidas que indicavam isso, como a revogação do AI-5.
Em 1984, o país foi varrido pelo que ficou conhecido como Diretas Já, isto é, a exigência popular de que o presidente brasileiro que seria eleito em 1985 viesse de eleição direta, ou seja, com participação popular. Na ditadura, como se sabe, as eleições presidenciais foram indiretas, ou seja, a escolha era feita pelos parlamentares apenas.
Os comícios em favor das Diretas Já espalharam-se pelo país, mobilizando milhares de pessoas. A emenda que reivindicava o retorno das eleições diretas no Brasil, a qual ficou conhecida como Emenda Constitucional Dante de Oliveira, acabou sendo derrotada, pois não conseguiu a quantidade suficiente de votos (precisava de 320 e obteve 298).
Após a derrota da Emenda Dante de Oliveira, os políticos da oposição juntaram-se na defesa da composição de uma Constituinte e de uma nova Constituição. O regime militar estava nas últimas, e a sentença que marcou o fim da ditadura no Brasil foi a eleição de Tancredo Neves (candidato da oposição) para presidente do Brasil. Um problema de saúde, entretanto, impediu a posse de Tancredo, e seu vice, José Sarney, assumiu a presidência.
Assembleia Nacional Constituinte e a nova Constituição
Durante o governo Sarney, foram realizadas eleições gerais no final de 1986 para eleição de governadores, senadores e deputados. Todos os deputados e senadores eleitos também compuseram a Assembleia Nacional Constituinte que tomou posse em 1º de fevereiro de 1987 e reuniu-se durante mais de um ano na elaboração da nova Constituição do Brasil.
Os trabalhos da Constituinte foram bastante longos porque os parlamentares não possuíam um projeto-base, tendo de iniciar literalmente do zero, além de terem sido debatidas diversas e mínimas questões conforme afirmação de Boris Fausto. A elaboração da Constituição de 1988 ficou marcado pela ampla participação de grupos populares e é a Constituição mais democrática da história do nosso país.
A Assembleia Constituinte contou, ao todo, com 559 congressistas e uniu esforços no sentido de organizar uma nova carta constitucional que estruturasse as bases para a implantação de um regime democrático no Brasil. As historiadoras Lília Schwarcz e Heloísa Starling também afirmam que:
O novo texto constitucional tinha a missão de encerrar a ditadura, o compromisso de assentar as bases para a afirmação da democracia no país, e uma dupla preocupação: criar instituições democráticas sólidas o bastante para suportar crises políticas e estabelecer garantias para o reconhecimento e o exercício dos direitos e das liberdades dos brasileiros.
O texto produzido do debate realizado pela Constituinte foi considerado bastante avançado nas questões que abarcam os direitos dos cidadãos e das minorias existentes no país. Isso foi resultado de uma ampla mobilização social, a qual teve participação ativa no processo de elaboração da Constituição. A participação popular ocorreu a partir da atuação de “associações, comitês pró-participação popular, plenários de ativistas, sindicatos” etc.
Apesar dos diversos avanços que aconteceram com a Constituição de 1988, sobretudo nas questões relacionadas aos direitos sociais, ela também manteve entraves da nossa sociedade. O mais destacado está relacionado com a questão da reforma agrária, uma vez que não foi incluído nenhum artigo a respeito dessa questão.
Sobre o fracasso dos congressistas em acrescentar algo sobre a reforma agrária na Constituição de 1988, Thomas Skidmore afirma: “Uma nova organização de proprietários rurais, a União Democrática Rural, flanqueou os defensores da reforma agrária por intenso e efetivo lobbying. A mensagem conservadora era clara: garantias de direitos humanos eram inofensivas mas ameaças aos direitos de terra eram outro assunto.”
O texto final da Constituição foi aprovado por Ulysses Guimarães, presidente da Constituinte, e promulgado no dia 5 de outubro de 1988. Contém 250 artigos e é a maior Constituição elaborada na história brasileira, inclusive, estando em vigor até hoje. A Constituição de 1988 foi a prova definitiva de que o poder dos militares encerrou-se, e a Nova República, período mais estável da democracia brasileira, consolidava-se.
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