A Trajetória de Dois Médicos na Antiguidade e Sua Importância Cultural

Um Encontro de Tradições no Catolicismo, Candomblé e na Umbanda

Foto: Divulgação

A história dos irmãos Cosme e Damião tem suas raízes na cidade de Egéia, na Arábia, onde nasceram por volta de 260 d.C. Embora muitos acreditem que eram gêmeos, não há confirmações sobre essa informação. Desde a infância, cresceram em uma família com fortes tradições católicas, que moldaram seus valores e compromisso com a fé.

Ainda jovens, Cosme e Damião decidiram se dedicar à medicina e se mudaram para a Síria, uma província do Império Romano na época, em busca de conhecimento. Formados, os irmãos dedicaram-se ao atendimento das populações carentes, utilizando seus conhecimentos científicos e a fé como instrumentos de cura. Em um gesto de amor e caridade, ofereciam tratamentos gratuitos e, especialmente para as crianças doentes, distribuíam balas para amenizar o sofrimento.

A dedicação e a fama dos irmãos, no entanto, chamaram a atenção do imperador Diocleciano, conhecido por sua perseguição aos cristãos. Acusados de feitiçaria e de utilizar meios diabólicos para suas curas, Cosme e Damião foram presos, torturados e mortos por se recusarem a renunciar à sua fé.

Hoje, santificados, são lembrados não apenas por suas práticas de cura, mas também pela tradição de distribuir doces, que simboliza solidariedade e cuidado. É importante notar que, para o catolicismo, não havia uma conexão inicial entre os santos e a distribuição de doces; essa prática se originou da associação feita por escravos nas religiões afro-brasileiras, que ligaram Cosme e Damião aos orixás Ibejis, filhos de Xangô e Iansã.

Diante da repressão aos cultos africanos durante a escravidão no Brasil, os negros encontraram maneiras de homenagear suas divindades associando-as a santos católicos. Assim, a tradição de dar doces associou-se a Cosme e Damião, que são considerados padroeiros dos médicos e farmacêuticos, além de protetores das crianças devido à sua simplicidade e inocência.

Em 1969, a Igreja Católica alterou a data de celebração de São Cosme e São Damião para 26 de setembro, a fim de evitar conflitos com a festa de São Vicente de Paula. No entanto, muitos ainda comemoram no dia 27.

Um Encontro de Tradições no Candomblé e na Umbanda

No universo do Candomblé e da Umbanda, o dia de Cosme e Damião é uma celebração especial dedicada à infância, à alegria e à proteção das crianças. Este evento, um dos mais esperados do calendário religioso, reúne comunidades de terreiros que se enchem de vida e cor para honrar tanto os santos cristãos quanto os orixás africanos. Durante as festividades, rituais vibrantes com cânticos, danças e oferendas são realizados, simbolizando a união entre as tradições.

“Ao oferecer doces às crianças, todos nós recebemos alegria, prosperidade, saúde e vida longa”, afirmam os praticantes. Essa festa é um exemplo vívido de como o passado colonial e a resistência cultural se entrelaçam, criando um novo legado espiritual que resiste ao tempo.

É importante destacar que a celebração também homenageia as mais de 5 milhões de pessoas escravizadas que foram trazidas ao Brasil. Essa ligação entre os santos católicos e as divindades africanas serviu como uma estratégia para preservar a cultura ancestral de diversas nações do Candomblé, como Keto, Jeje, Angola e Nagô. .Os senhores de engenho torturavam qualquer escravizado que não seguisse a fé católica.”

Dessa forma, ao olharem para a estátua de Cosme e Damião, os escravizados cantavam e rezavam em suas línguas nativas para Ibeji, acreditando que estavam adorando os deuses católicos, enquanto mantinham viva sua fé ancestral.

Racismo Religioso e Desafios Atuais

Apesar da rica herança cultural e espiritual presente nessas celebrações, as festividades enfrentam um cenário de racismo religioso. O preconceito se manifesta através da discriminação, intolerância e violência contra praticantes dessas tradições. Somente nos primeiros sete meses deste ano, o Disque 100, serviço do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, registrou 1.451 denúncias de violação da liberdade de crença ou religião, quase o dobro do número registrado no mesmo período do ano passado, que foi de 789 denúncias.

Em meio a esses desafios, a festa de Cosme e Damião permanece um símbolo de resistência, unindo comunidades em celebração e reafirmando a importância da diversidade religiosa no Brasil.

A Figura de Doum nas Tradições Afro-Brasileiras

Nas representações na umbanda e no candomblé, junto aos santos, aparece uma criança vestida como eles: Doum. Esta figura personifica as crianças de até 7 anos e representa a crença de que, para cada dois gêmeos que nascem, um terceiro não encarna neste mundo. Doum é respeitado e adorado como parte da família dos Ibejis, sendo considerado “aquele que não veio”. O mito de Doum serve como consolo para perdas precoces, interpretando a partida de uma criança como um retorno a um mundo divino do qual não pôde se despedir.

A história de Cosme e Damião, entrelaçada com as tradições afro-brasileiras, continua a inspirar e a ensinar lições de amor, solidariedade e resistência cultural.

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