Governo acaba com obrigatoriedade de espaços de educação e trabalho em presídios

Foto: Reprodução

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O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça e Segurança Pública alterou a resolução nº 9, de 2011, que estabelecia regras para a elaboração de projetos, construção, reforma e ampliação de unidades penais no Brasil.

Entre outras mudanças, isso acaba com a obrigatoriedade de criação de espaços de educação e trabalho em presídios.

As alterações devem ser publicadas nesta quarta-feira (13) no Diário Oficial, segundo apurou a reportagem do UOL. Elas tornam obrigatórias apenas a construção de celas e áreas de saúde em cada penitenciária, colônia penal, cadeia pública e similares.

Com a mudança, perdem validade exigências previstas no texto anterior como a de proporcionalidade do número de salas de aulas e outros equipamentos, como áreas para trabalho e locais para tratamento de saúde,  ao número de presos de cada unidade.

Também deixam de valer normas que estabeleciam janelas e ventilação maiores de acordo com as condições climáticas da região em que o presídio for alocado.

Além disso, não será mais necessária a aprovação de pré-projeto pela prefeitura, Vigilância Sanitária e Corpo de Bombeiros para dar início à construção de novas unidades.

A resolução nº 9/2011 original previa também a existência de áreas mínimas obrigatórias para educação, tratamento de dependentes químicos, visitas íntimas, oficinas de trabalho, entre outros espaços, e inovou ao criar creches e berçários pensando tanto nos internos quanto nas pessoas que trabalham nos presídios.

Especialista em arquitetura prisional e professora da Universidade Federal de Alagoas, Suzann Cordeiro, disse ver a mudança como um retrocesso. Ela era integrante do conselho quando a resolução original foi aprovada e disse que o texto demorou meses até ser aprovado, entre consultas com a sociedade civil e especialistas.

Já a atual mudança foi aprovada em uma votação.

“A resolução original era um marco, reconhecida internacionalmente. Incentivava o desencarceramento, criava prisões mais humanizadas em que a chance de ressocialização era real”, afirmou.

Fontes ouvidas pelo UOL dizem que a resolução original enfrentou resistência desde o começo, mas acabou ganhando força ao ser usada pelo Brasil como defesa em um dos diversos processos que o país sofre na OEA (Organização dos Estados Americanos), por conta da superlotação e más condições nos presídios.

Ao se tornar uma obrigação internacional, não haveria como apenas derrubá-la, o que justifica a opção dos conselheiros de tornar partes do texto não obrigatórias.

“É um enfraquecimento do Conselho, que tem cedido a pressões e não consegue mais pautar políticas mínimas”, afirmou a pesquisadora Valdirene Daufemback, ex-diretora do Depen (Departamento Penitenciário Nacional).

Ela ressaltou a situação das mulheres com o novo texto, que podem ser prejudicadas com a eventual falta de espaços para creches e berçários para mulheres presas e do módulo de visita íntima, “que atinge diretamente a dignidade das mulheres visitantes.”

A medida, segundo o Ministério da Justiça, estava dificultando a construção de novos presídios. “Não estamos abrindo o leque para grandes modificações”, disse o então Ministro da Justiça Osmar Serraglio em maio, quando solicitou formalmente que os conselheiros flexibilizassem a medida. “Não pretendemos fugir de especificidades técnicas, mas, às vezes, não temos condições de garantir uma ou outra coisa”, disse.

O tema já estava sendo discutido pelo conselho desde março. Em abril, o órgão nomeou quatro conselheiros para uma comissão recém-criada com a finalidade de revisar a norma.

Com o novo texto, estabelecimentos prisionais podem escolher seguir ou não as determinações.

Para Valdirene, que hoje atua como pesquisadora do Laboratório de Gestão de Políticas Penais da Universidade de Brasília, a solução para a questão prisional no país deve repensar o número de pessoas presas.

Além disso, a opção por humanizar o sistema pode ter reflexos positivos em toda a situação da segurança pública no país.

“Não há como garantir segurança pública sem respeito aos direitos fundamentais. Isso cria um ambiente permissivo para a ilegalidade, para a prisão ilegal, para a tortura. Hoje, falar no direito das pessoas presas é visto como defender o crime”.

Dados do Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias), divulgado na sexta-feira (8) pelo Ministério da Justiça, apontam que a população carcerária do país chegou a exatas 726.712 pessoas presas, o dobro do número de vagas nas penitenciárias e carceragens de delegacias, colocando o Brasil em 3º lugar entre os países com mais presos.

“Em relação ao número de vagas, observamos um déficit total de 358.663 vagas e uma taxa de ocupação média de 197,4% em todo o país, cenário também agravado em relação ao último levantamento disponível”, lê-se no relatório, cuja base de dados se refere a junho de 2016.

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