Palestina FC, futsal feminino na fronteira do Brasil com o Uruguai

Após a eliminação da seleção feminina de futebol na Copa do Mundo de 2019, a capitã Marta fez um apelo emocionado para que as jovens jogador

Após a eliminação da seleção feminina de futebol na Copa do Mundo de 2019, a capitã Marta fez um apelo emocionado para que as jovens jogadoras brasileiras valorizem o momento e se preparem melhor. “Chorem no começo para sorrir no fim”, enfatizou a craque brasileira, maior artilheira da história das Copas, seis vezes eleita a melhor jogadora do mundo.

A mensagem de Marta ecoou no extremo sul do Brasil entre as mulheres e a comissão técnica do Palestina Futebol Clube, time de futsal feminino da cidade gaúcha de Jaguarão, na fronteira com o Uruguai. Fundado em dezembro de 2017, “a família Palestina”, como define o treinador Luís Fernando Cardoso Alves, o Nando, tem se desdobrado para manter uma rotina de treinamentos e participar de competições.

“Vamos esperar que de agora em diante as coisas também melhorem em termos de incentivo para a prática”, observa Nando. Sem nenhum tipo de apoio do Poder Público local, o grupo está sempre à procura de patrocínios para o custeio de inscrições, viagens, materiais esportivos e outras despesas.

A última competição que disputaram, a Copa Corona, no município vizinho de Arroio Grande, foi paga com dinheiro arrecado em pedágios feitos na ponte que separa Jaguarão de Rio Branco, no Uruguai. Conseguiram pouco mais de R$ 1.000 em dois dias de coleta e acabaram conquistando o segundo lugar no campeonato. É o melhor resultado da equipe até hoje numa competição.Jogadoras e comissão técnica arrecadam verbas em pedágios para custeio de atividades

Para pagar a inscrição do citadino de Arroio Grande, que começa agora em julho, o Palestina vendeu canecas personalizadas. Já o novo fardamento foi pago com dinheiro de uma rifa feita no Dia dos Namorados, com números vendidos a R$ 1. “E assim vai”, diz o treinador. “Os amigos nos ajudaram no início com 100, 150, 200 reais, as gurias também conseguiram apoio de alguns conhecidos, mas esse ano enfeiou a coisa, e a gente não conseguiu nada ainda”.

Ambição é chegar à liga estadual

O Palestina treina duas vezes por semana em uma quadra alugada, paga pelas próprias jogadoras. São 17 mulheres, numa faixa entre 18 e 34 anos. “Nem todas têm condições de pagar, mas a gente está sempre se ajudando”, ressalta a capitã da equipe, Bianca Duarte Mendes, de 24 anos. “Quase todas trabalham, algumas têm filhos, casa, família, a quadra é longe, então não é fácil”, comenta.

A ala ambidestra começou a jogar bola com dez anos de idade, na “escolinha do Tio Bené”, em Jaguarão, e desde então nunca parou. Segundo o treinador, ela é “o espelho do grupo” pelo profissionalismo e o empenho dentro e fora de quadra. “A Bianca é uma atleta muito bem preparada, que está sempre tentando evoluir. É aquela jogadora que faz o jogo andar, que comanda tudo, bota vontade no time”, afirma.

Formada em Turismo pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa), a capitã do Palestina trabalha em dois mercados – um de manhã, outro à tarde –, mas sua pretensão mesmo é construir uma carreira vitoriosa no futsal. “O meu objetivo e o das gurias é sempre o de conquistar títulos pelo Palestina, quem sabe chegar a um estadual, jogar numa liga de alto nível”, diz. “Trabalho sempre pra me destacar”.

“O meu objetivo e o das gurias é sempre o de conquistar títulos pelo Palestina, quem sabe chegar a um estadual, jogar numa liga de alto nível”, diz. “Trabalho sempre pra me destacar”, diz a capitã do time, Bianca, de 24 anos

Como não poderia ser diferente neste momento, ela está otimista quanto ao futuro do futebol feminino no Brasil. “A mensagem de igualdade da nossa rainha Marta é também uma mensagem para que se dê mais visibilidade ao futebol feminino”, observa. Entre os desafios imediatos, ela aponta a ampliação dos investimentos nas categorias de base, a formação de mais árbitras mulheres e a transmissão de TV de outras competições.

“A barreira acaba quase sempre sendo a grana”, lamenta Bianca. “Nosso time tem evoluído muito. As gurias estão focadas, cada vez mais confiantes, mas é muito gasto”. Recentemente, a capitã chegou a propor a um vereador da cidade a criação de um “fundo esporte” para contemplar iniciativas como a do Palestina, mas a ideia não foi muito bem recebida. “Eles sempre dizem que não tem como”, relata, “que é difícil”.Time se prepara para disputar o citadino de Arroio Grande, que começa agora em julho

Palestina, nome forte e vencedor

Ninguém no elenco ou na comissão técnica do Palestina FC é de origem árabe. O time de futsal feminino, na verdade, é parte de algo maior. Ele está vinculado à Associação Esportiva, Recreativa e Beneficente Palestina, que além de ter equipes de futebol masculino de campo e salão, também tem uma escola de samba muito popular na cidade.

Tudo começou no início da década de 1990, com o pai do Nando, Luís Henrique Alves, que é o presidente da entidade. O Kike, como é conhecido, seu irmão e alguns amigos tinham um time amador de futebol sete e precisavam de um nome para jogar os campeonatos da região. “Ninguém ganhava de nós. Tudo que é torneio que a gente entrava a gente vencia”, conta ele.

“Nos inspiramos na luta dos imigrantes, que na época mandavam no comércio aqui da cidade. Pra eles não tinha sábado, domingo, feriado. Era trabalho”, conta o presidente da Associação

“Escolhemos Palestina por ser um nome forte e vencedor. Nos inspiramos na luta dos imigrantes, que na época mandavam no comércio aqui da cidade. Pra eles não tinha sábado, domingo, feriado. Era trabalho”, prossegue. A data oficial de fundação do clube é 16 de novembro de 1992. Meses depois, botaram pela primeira vez o bloco na rua, e saíram campeões do tradicional carnaval de Jaguarão. O desfile homenageava a população árabe palestina da cidade.

“A gente nem conhecia muito da história, mas tínhamos uma amizade muito grande com os patrícios. Eles nos emprestaram roupas típicas, lenços e turbantes“, lembra o presidente. “Gente muito boa. Alguns se mudaram, outros faleceram, mas nosso carinho por eles continua o mesmo”.

Quem demonstra na pele esse carinho é a nora de Kike, a esposa de Nando, Carice Machado. Tamanho é seu envolvimento com o clube e sua simpatia à causa que ela tatuou no antebraço esquerdo uma borboleta com as cores da bandeira palestina. “Se falam mal da Palestina, eu brigo, xingo, eu faço escarcéu”, brinca. Tesoureira da escola de samba, ela não perde uma atividade das meninas. É uma das mais entusiasmadas com a iniciativa.

“A equipe é forte e merece muito ir pra frente. As gurias todas são muito batalhadoras, trabalham, não faltam os treinos e estão sempre correndo atrás com a gente, fazendo pedágio, lutando”, afirma.

Tesoureira da Associação, Carice Machado traz na pele o seu amor pela Palestina

Chamado à comunidade

Nadia Baja Salama é uma das descendentes palestinas remanescentes na cidade. Desde que soube da iniciativa do futsal feminino do Palestina – através de uma foto postada por uma amiga no Facebook –, a empresária de 50 anos tem se empenhado para reaproximar a comunidade da associação. Ela pensa não apenas em angariar fundos, mas também em ampliar o contato com o clube para tratar de cultura, história e outras questões relativas à Palestina.

Filha de imigrantes palestinos nascida em Soledade, no Rio Grande do Sul, Nadia se mudou para Jaguarão há cerca de 35 anos. Conta que quando chegou com a família na cidade, ainda havia um esforço comunitário para manter vivas as tradições. Era comum reunir “50, 60 pessoas” em almoços e jantares em datas festivas como o Dia das Mães e o Dia dos Pais. “Aos poucos, os mais velhos foram morrendo, os mais jovens se mudando e o senso comunitário se perdendo”, comenta. “Aí fui desistindo”.

“São pessoas simples, mas sérias, com um projeto bem legal que, além de tudo, ajuda a divulgar o nome da Palestina em toda a região”, diz Nadia Salama, descendente de palestinos que vive em Jaguarão

Seus esforços até agora têm sido em vão. “Antigamente, quando a comunidade palestina era maior e mais unida aqui em Jaguarão, eles até ajudavam. Agora sobrou pouquíssima gente, e os que sobraram não parecem estar muito interessados”, lamenta.

Contribuir, seja com o que for, para ela, é o mínimo que pode ser feito para retribuir o carinho manifesto em vermelho, verde, preto e branco pela associação durante todos esses anos. “São pessoas simples, mas sérias, com um projeto bem legal que, além de tudo, ajuda a divulgar o nome da Palestina em toda a região”, diz.

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