Reacendendo memórias, recuperando terras, uma jornada poética pela herança Kaingang no Rio Grande do Sul

Em "Retorno ao Ventre", Jr. Bellé embarca em uma jornada pungente para resgatar e reacender as memórias desbotadas de sua ancestralidade Kaingang.

Foto: Divulgação

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No reino da poesia, onde as palavras tecem contos do passado, presente e futuro, “Retorno ao Ventre” de Jr. Bellé surge como uma narrativa pungente, entrelaçando a história pessoal com a memória coletiva do povo Kaingang. À medida que as lembranças da tia-avó da autora, Pedrolina, desaparecem sob a sombra do Alzheimer, ela revela um segredo antigo: as raízes de sua família remontam à ancestralidade Kaingang, uma linhagem entrelaçada com a tumultuada história das comunidades indígenas do Brasil.

Esta revelação prepara o cenário para uma exploração profunda de identidade, perda e resiliência. Bellé, um escritor de herança mista, embarca em uma jornada para preencher as lacunas na narrativa de sua família, aprofundando-se em arquivos históricos e se envolvendo com líderes e acadêmicos Kaingang. Por meio desse processo, ele desenterra as duras realidades do deslocamento indígena e a luta contínua por reconhecimento e direitos à terra.

Os poemas em “Retorno ao Ventre” servem como um poderoso contraponto à narrativa dominante da história do Brasil, que frequentemente ignora as contribuições e lutas de seus povos indígenas. Os versos de Bellé desafiam essa narrativa, dando voz às histórias silenciadas dos ancestrais Kaingang e ao legado duradouro de sua presença.

Em um poema, o autor confronta o termo “sertão”, frequentemente usado para descrever o vasto interior do Brasil como um deserto vazio. Ele o redefine como um “vazio demográfico”, um apagamento deliberado das ricas populações indígenas que outrora prosperaram nessas terras. Com imagens evocativas, ele pinta um quadro vívido desse “vazio” repleto de vida: “o vazio estava especialmente cheio de ‘mỹnh'”, ele declara, usando a palavra Kaingang para “nós”.

A jornada de descoberta de Bellé se estende além do reino da história pessoal, abrangendo uma exploração mais ampla da resistência indígena e do ativismo contemporâneo. Ele celebra as vozes de líderes como Sônia Guajajara, Ailton Krenak, Davi Kopenawa e Iracema Gah Té, que continuam a lutar pelos direitos e reconhecimento de suas comunidades.

A edição bilíngue de “Retorno ao Ventre”, com tradução para o Kaingang de André Caetano e prefácio de Eliane Potiguara, reforça ainda mais o compromisso da autora com o diálogo intercultural e a preservação das línguas indígenas. As ilustrações de Moara Tupinambá acrescentam uma dimensão visual à narrativa, reforçando a conexão entre o passado e o presente.

Como o título do livro sugere, “Retorno ao Ventre” marca um retorno às origens, uma reconexão com as raízes ancestrais que foram obscurecidas e marginalizadas. É um testamento do poder da narrativa para curar, desafiar e inspirar. Em um mundo lutando com questões de identidade, herança cultural e o legado do colonialismo, o trabalho de Bellé oferece uma reflexão profunda e comovente, lembrando-nos da presença duradoura dos povos indígenas e seu lugar de direito na tapeçaria da história brasileira.

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