Biografia: Edgard Leuenroth

Leuenroth é reconhecido com um dos mais notáveis anarquistas do período da Primeira República brasileira.

Foto: Divulgação

Nascido em São Paulo, no bairro de Mogi Mirim em 31 de outubri de 19882, Edgard Frederico Leuenroth foi um tipógrafo, jornalista, arquivista e propagandista.

Fundou diversos jornais e colaborou em diferentes funções junto a tantos outros. Esteve envolvido com os periódicos O Boi, O Alfa, Folha do Braz, O Trabalhador Gráfico, Portugal Moderno, A Terra Livre, A Lucta Proletária, A Folha do Povo, A Lanterna, A Guerra Social, O Combate, A Capital, Eclectica, Spartacus, A Plebe, Romance Jornal, Jornal dos Jornaes, A Noite, Ação Libertária e Ação Direta. Foi também fundador de diversas entidades vinculadas a imprensa, entre estas o Centro Typographico de São Paulo, a União dos Trabalhadores Gráficos, a Associação Paulista de Imprensa e a Federação Nacional da Imprensa.

Em 1917 foi julgado e condenado como um dos articuladores da Greve Geral. Com o surgimento do Partido Comunista Brasileiro passou a ser criticado por Astrojildo Pereira, comunista ex-anarquista que tinha como meta ampliar a influência do partido através do alinhamento com os sindicatos e os meios de imprensa operários, com a proposta bolchevique.

Foi responsável direto pela constituição de um dos maiores arquivos existentes sobre a memória dos movimentos operário e anarquista que hoje está sob os cuidados da Universidade de Campinas, levando o seu nome.

Primeiros anos

Casa da Chácara do Morro onde nasceu Edgard Leuenroth

Edgard Leuenroth nasceu na cidade de Mojimirim, interior de São Paulo, filho do médico-farmacêutico Waldemar Eugênio Leuenroth e de Amélia de Oliveira Brito. Sua mãe era sobrinha do Visconde de Rio Claro. Aos cinco anos de idade, após o falecimento de seu pai mudou-se com sua mãe e irmãos para a cidade de São Paulo.

“Sai de Mogi-Mirim muito criança, guardando uma lembrança nostálgica da carinhosa nobreza com que fui acolhido, com meus irmãos, naquela saudosa chácara lá do morro, que minha avó recebera de seu tio Visconde do Rio Claro. Vim, com minha mãe e irmãos, para o Brás, onde sempre vivi, ligando-se àquele popular e movimentado bairro salientes aspectos de minha vida, alguns deles de magoada recordação de uma meninice sem infância.” —Jornal Dealbar

Sua família se mudou para o bairro paulistano do Brás, a época um dos mais populosos bairros operários. Passando por dificuldades financeiras, aos dez anos de idade o jovem Edgard abandonaria os estudos e arranjaria um emprego como menino de recados e auxiliar de limpeza. Mais tarde trabalhou também como vendedor ambulante (caixeiro-viajante) de uma loja de tecidos pelo estado de São Paulo.

Ofício de tipógrafo

Leuenroth durante sua infância e adolescência passou um tempo ínfimo na escola aprendendo quase que por conta própria noções de escrita e matemática.

“Não tive estudos regulares. Aprendi comigo. Sou autodidata. Tudo colhi na imensa universidade da vida … No início do curso primário, bem criança, tive de deixar a escola, para trabalhar. Foi para a Escola Modelo, parece-me que a primeira, em São Paulo, dessa natureza, na Rua do Carmo, dirigida por uma inglesa esguia e severa, Miss Brown.

Embora tenha sido tão passageira essa minha vida escolar, deixando ela gratas recordações, pela convivência com atenciosos professorandos, que depois figuraram com destaque no campo do ensino. E também por alguns colegas, com a devida licença … que de lá partiram, depois do trânsito por cursos superiores, para altas escaladas na vida pública. Dentre eles, posso citar dois; o dr. Cirilo Júnior, meu conhecido de meninice no bairro do Brás, e dr. Virgílio do Nascimento, com quem fui me encontrar, em períodos agitados de minha vida, em circunstâncias um tanto esquerdas quando ele ocupava o cargo de delegado da Ordem Política e Social.” —Jornal Dealbar

Aprendeu o ofício de tipógrafo ao conseguir seu primeiro emprego formal nas Oficinas da Companhia industrial. Em 1897 passou a fazer parte dos quadros do jornal O Commercio de São Paulo, na função de tipógrafo, permanecendo nesse emprego por doze anos. No mesmo ano fundaria o jornal quinzenal de crítica literária, O Boi, cujo título se dera mais pelo acaso do que por uma escolha racional, já que, como parte de uma velha máquina tipográfica adquirida viera junto um clichê de impressão onde se lia O Boi. Dois anos depois, em 1899 O Boi passaria a se chamar Folha do Braz. Leuenroth colaborou com este jornal, bem como com o jornal O Alfa de Rio Claro até 1901.

Contato com o Anarquismo

Em 1900 começou a freqüentar as reuniões do Círculo Socialista se interessando pelas reflexões propostas pelo socialismo. No ano seguinte tem contato com o poeta libertário Ricardo Gonçalves que lhe apresentou os princípios da filosofia anarquista, atraindo-o para o movimento libertário do qual jamais se afastaria.

Na condição de operário tipógrafo e consciente da importância da associação de classe, fundou o Centro Typográphico de São Paulo, que um ano depois passaria a se chamar União dos Trabalhadores Gráficos e posteriormente Sindicato dos Gráficos. Na ocasião fundou também o jornal O Trabalhador Gráfico que serviria como órgão de imprensa desta organização.

Casamento e primeira prisão

Ainda no ano de 1906 Edgard Leuenroth se casou com Aurora da Costa Reis com quem viveria por toda vida. Eles tiveram, juntos, quatro filhos – Nilo, Nair, Germinal e Anteu. Leuenroth retornou para São Paulo em 1908 quando fundou o periódico A Folha do Povo. No ano seguinte passou a dirigir o jornal libertário anticlerical A Lanterna, fundado por Benjamin Motta em 1901. Na direção deste periódico no ano de 1912 denunciou junto com outros jornalistas libertários os crimes sexuais cometidos pelo padre Faustino Consoni, acusado de assassinar uma criança recém chegada ao Orfanato São Cristóvão após tê-la violentado sexualmente. O Caso Idalina como ficou conhecido a época acabou desencadeando manifestações populares organizadas pelos anarquistas contra a Igreja Católica. Durante as manifestações Leuenroth foi preso, e posteriormente liberto graças às rápidas ações do escritor e advogado Evaristo de Morais, um dos grandes nomes da defesa da causa operária nos tribunais da época.

Somos apenas um punhado de homens. Somos dez? Vinte? Que importa? Seremos legião amanhã, quando todos os que sabem quanto o clericalismo é prejudicial, quanto o jesuitismo é nefasto, quanto o beatismo embrutece os povos decidirem vir engrossar as nossas fileiras
— Edgard Leuenroth, Editorial do n.1 de A Lanterna

A essa mesma época funda junto com Neno Vasco, Oreste Ristori & Gigi Damiani a Escola Moderna de São Paulo. Baseada na pedagogia proposta pelo educador libertário Francisco Ferrer Y Guardia (assassinado em 1909) a escola moderna no Brasil buscou gerar um ambiente de educação racional contrária às posturas autoritárias, servindo de refúgio aos muitos abusos e violências existentes nos colégios religiosos, a servir de alternativa para crianças de diversas idades.

Neste mesmo ano fundou e dirigiu o jornal A Guerra Social. Em 1913 participou como delegado do jornal A Lanterna do Segundo Congresso Operário Brasileiro realizado na cidade do Rio de Janeiro. Um de seus irmãos, João Leuenroth, era na época tesoureiro da Comissão Executiva Confederação Operária Brasileira. Em 1915 Edgard Leuenroth deixou de publicar o periódico A Lanterna para colaborar ativamente em outros meios: torna-se redator do jornal O Combate, trabalhando também na redação do jornal A Capital sendo também redator-secretário da revista Eclectica. Dois anos depois fundou o jornal A Plebe. Este seria um dos mais importantes jornais anarquistas publicados no Brasil atingindo ampla tiragem, tornando-se diário no ano de 1919.

Segunda prisão

Muito tempo ainda não havia decorrido, quando se verificou a minha prisão. Iniciou-se então minha peregrinação pelos postos policiais, com o fim de serem burlados os “habeas corpus” requeridos quando fui transferido para a Cadeia Publica, hoje Casa de Detenção. Após seis meses, fui levado ao Tribunal do Júri, para ser julgado pela estúpida acusação de ter sido o autor psíquico intelectual da greve geral de julho de 1917. Fui absolvido por unanimidade de votos, após dois adiamentos, com o intuito de impedir de ter também como defensor, ao lado do dr. Marry Junior; o grande criminalista, dr. Evaristo de Morais. Passado algum tempo, divulgou-se a notícia de deportação de alguns militantes proletários para outros Estados.” —Edgard Leuenroth

Pouco tempo depois Leuenroth seria novamente preso sob a acusação de ter liderado um grupo de operários na pilhagem do Moinho Santista ocasião em que foram roubadas algumas sacas de farinha de trigo. Tem início um longo processo onde o aparelho burocrático-estatal se utiliza de todos os meios para manter Leuenroth preso. Este foi diversas vezes adiado causando protestos entre a forte imprensa anarquista da época que passou a denunciar a má vontade e a morosidade da justiça.

No início de 1918 ainda na prisão, Leuenroth recebeu a notícia de que seus amigos libertários cogitavam a possibilidade de candidatá-lo para deputado como uma forma de protesto. De sua cela na cadeia pública de São Paulo, Leuenroth escreveu uma artigo agradecendo a consideração, afirmando que não poderia aceitar uma candidatura sua pois isso iria de encontro com seus ideais anarquistas aos quais permanecia fiel, e não compactuaria com o Estado nem para fazer protesto.

Terceira prisão

Em 1927 Leuenroth foi novamente preso ao discursar para uma multidão de operários em homenagem a Sacco e Vanzetti no Largo da Concórdia. A época a prisão e execução dos dois anarquistas ítalo-americanos fora uma temática amplamente debatida por anarquistas e operariado de todo o mundo dando origem a um cem número de marchas de protesto ao redor do globo, entre os libertários paulistas não seria diferente.

Últimos anos

Nos últimos anos de sua vida, Edgard Leuenroth trabalhou como arquivista na sede paulista da Standard Propaganda, empresa sediada no Rio de Janeiro e pertencente ao seu irmão mais novo, Eugênio Leuenroth, e ao seu sobrinho Cícero Leuenroth. Apesar dos colossais esforços de Leuenroth, o movimento libertário encontrava-se em visível declínio desde os anos trinta. Com o campo político cada vez mais polarizado entre capitalistas e comunistas, o mundo se dirigia para a Guerra Fria. O Partido Comunista Brasileiro, à época em ascensão, tornaria-se o foco de resistência à ditadura militar. No entanto, sua meta era bem distinta daquela vislumbrada pelos libertários, consistia na implementação de um regime tendo como modelo o estadismo russo surgido após a revolução bolchevique.

Notável por sua boa disposição e jovialidade, sempre organizado e diligente, Leurenroth faleceu em 1968, aos 87 anos, após se descobrir portador de um tipo de câncer hepático. Durante toda a sua vida Leuenroth foi ativo em sua militância anarquista.

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